Ou
seja, do que falamos quando falamos do cheque-ensino. Falamos de um cheque dado
a todas as famílias que tenham filhos em idade escolar. O valor do cheque
corresponde à despesa que o Estado tem com esse aluno nas escolas públicas. O
objectivo é que os pais possam escolher aplicar esse cheque na frequência de
uma escola privada. Até agora, é assim que falamos do cheque-ensino: uma medida
que promove a liberdade dando a cada um a possibilidade de ser educado onde
quiser. Como disse Crato Ministro, trata-se de "desenvolver
progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as
famílias".
Mas
o cheque-ensino não é isto. E não é só isto. Melhor, acaba por não ser pouco
disto. A ideia foi muito defendida por Milton Friedman, o economista de
Chicago, que considerava que o Estado não devia subsidiar o produtor, a escola,
mas sim o consumidor, o aluno. Só assim se poderiam evitar elevadas taxas de abandono
escolar. A concorrência promovida pela livre escolha faria com que o mercado do
ensino funcionasse com melhores resultados. Quer se tratasse de uma escola
pública, quer de uma escola privada. Só que querer ver mercados onde eles não
existem cria problemas graves. Pelo menos, três.
Por
um lado, o cheque-ensino pressupõe que haja uma verdadeira liberdade de escolha
entre as escolas disponíveis. E essa liberdade não existe. As escolas privadas
têm um limite de vagas e, portanto, a liberdade de escolha fica condicionada.
Mais. As escolas privadas não irão abdicar de seleccionar os seus alunos para
tentar obter taxas de aproveitamento mais elevadas. Serão seleccionados alguns,
aqueles que oferecem mais garantias de ter boas notas, os outros ficarão na mesma.
A escola pública ficará mais desigual e com menos recursos. Pode dizer-se que
irão florescer escolas privadas como cogumelos para aproveitar esta
oportunidade de negócio. E que o mercado resolve. Basta pensar nos casos
envolvendo universidades privadas nas últimas décadas para perceber que o
mercado da educação não funciona com essa simplicidade.
Por
outro lado, o cheque-ensino parte da ideia que as escolas privadas têm muito
melhores resultados que as escolas públicas. Se consultarmos os rankings dos
exames do ensino secundário, encontramos muitas escolas privadas nos lugares
cimeiros. Mas também encontramos escolas privadas no último terço da tabela. E
temos sempre que considerar que estas tabelas não têm em conta que as escolas
públicas são de acesso universal, enquanto que as escolas privadas seleccionam
alunos, o que lhes garante sempre melhores resultados. A ideia de que as
escolas privadas são muito melhores que as públicas não é verdadeira. Até
porque, onde há cheque-ensino, os resultados finais das escolas públicas e
privadas não são muito diferentes.
Finalmente,
o grande objectivo do cheque-ensino, aumentar a qualidade das escolas públicas,
não parece ser cumprido. Onde existe cheque-ensino, muitas escolas públicas
continuaram a ter maus resultados. É que as escolas não são propriamente uma
empresa num mercado livre que passam a ter melhores resultados porque têm
concorrência.
A
conclusão é que a introdução de um cheque-ensino generalizado, como parece ser
a intenção de Crato, apenas promove que uma pequena parte das famílias possa
mudar de escola (provavelmente as que têm mais recursos), não garante melhores
resultados dos alunos, e não substitui que se façam investimentos nas escolas
públicas em zonas deprimidas e que se continue a combater o abandono escolar
com programas específicos. Acima de tudo, não permite combater eficazmente o
abandono escolar, que até era a ideia principal de Milton Friedman.
Corre
até o risco de promover uma maior desigualdade no acesso à educação e de fazer
com que a escola pública, a única que garante acesso para todos, tenha menos
meios para cumprir o seu papel. Aliás, se pensarmos que no Chile as escolas
privadas podem cobrar propinas adicionais para além do cheque-ensino,
percebemos que o cheque-ensino pode bem ser uma forma de financiamento
adicional das escolas privadas.
Se
há um país do mundo com o qual podemos aprender sobre este assunto é a Suécia.
Com mais de 20 anos com um sistema de cheque-ensino, que se expandiu fortemente
nos últimos dez, os resultados nos testes internacionais dos alunos suecos têm
caído de forma consistente. Apesar de não haver uma relação directa, este facto
é eloquente.
Agora
já posso dizer a razão do título estar em Inglês. Soube-se anteontem que o
Inglês no 1.º ciclo deixou de ser obrigatório. Não se tratava de verdadeiras
aulas de Inglês, mas de actividades de acompanhamento curricular que davam um
primeiro contacto com a língua. Com esta medida, as escolas privadas continuam
a ter Inglês no 1.º ciclo, pois não irão tornar opcional algo que é
indispensável. As escolas públicas não se sabe. Como o Inglês é fundamental
para qualquer actividade profissional e deve ser ensinado desde cedo, até
parece que, daqui a um ano, Crato poderá argumentar que as escolas públicas não
ensinam Inglês no 1.º ciclo porque não querem e que o melhor é criar um cheque-ensino
para o efeito. Mas devo estar a ser malicioso. Afinal, Crato só quer defender a
liberdade de escolha.
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