Lampedusa, a pequena ilha entre a Sicília e a Tunísia, tem
uma área de 20 km2. Vivem lá cerca de 4500 pessoas. Está a 113 Km da costa da
Tunísia. A 176 Km da Sicília. E mais ou menos à mesma distância de Malta. Mais
números de Lampedusa. Ou os últimos números de Lampedusa. Contam-se hoje 22
dias desde o último naufrágio de imigrantes africanos ao largo da ilha. A menos
de 1 Km. da costa. A menos de 1 Km. da praia. 364 mortos. 155 sobreviventes.
Todos os que morreram, passaram a ser italianos. Os outros continuam somalis ou
eritreus. E há 21 dias que estão no centro de imigração de Lampedusa. Com
capacidade para 250 pessoas e ocupação actual de mais de 1000.
Os mortos já estão enterrados. Há poucos dias fez-se um
funeral de Estado com discurso, lapela e fato de domingo. Para apaziguar
consciências, todos os mortos tiveram direito à nacionalidade italiana póstuma.
Mas a verdade é que já todos tinham sido antes enterrados sem pompa, nem
circunstância e sem cerimónia nenhuma. Os familiares que estão no centro de
imigração nem puderam sair de Lampedusa para ir aos funerais. Nem ao falso nem
ao verdadeiro. Faltou a devida autorização ministerial. Nestes tempos, os
mortos têm honras e uma nacionalidade europeia para abrilhantar a campa. Os
vivos têm estadia prolongada no centro de imigração e nem sequer se poderem
despedir dos seus mortos.
Falta cuidar dos vivos. Como nada de relevante lhes
aconteceu, como, por exemplo, terem morrido, continuam meros cidadãos com
nacionalidades desvalidas, somalis ou eritreus. Mas só isso era ser brando e,
para a lei italiana, estes náufragos são criminosos e estão a ser investigados
pelo Ministério Público. Podem ter que pagar uma multa de € 5000 e, como o mais
provável é não conseguirem asilo político, serão recambiados para a casa da partida.
Até lá, ficarão aprisionados no centro de imigração. Não admira que corram
petições e se manifestem tantas opiniões em Itália para abolir esta lei.
Decorre ontem e hoje mais uma Cimeira Europeia. É a reunião
de mais alto nível político da União Europeia onde estão os chefes de cada
Governo e o Presidente da Comissão Europeia. Vai falar-se de economia digital,
inovação e de economia social. Para o fim, durante a manhã de hoje, fala-se
também de fluxos migratórios no Mediterrânico.
Só interessam coisas bem simples: implementar uma política
europeia comum para impedir resultados como os da lei italiana Fini-Bossi (que
até podem violar convenções internacionais assinadas pelo Estado italiano),
vigilância reforçada das águas do Mediterrâneo, cooperação com os países de
origem dos imigrantes e operações anticrime europeias para combater o tráfico
de seres humanos. Se a União Europeia serve para alguma coisa que sirva para
impedir a morte de milhares de pessoas no Mediterrâneo.
Infelizmente, não podemos esperar muito. Ou melhor, não
podemos esperar nada. No Parlamento Europeu já se fala do projecto de
conclusões da Cimeira, que aliás são bem simples: em junho de 2014 torna-se a
discutir este assunto. Os mortos podem esperar. Se morrerem, pode ser que fiquem
europeus.
Eritreia fica longe. Somália fica longe. Tunísia fica longe.
Lampedusa fica longe. E mesmo Itália parece longe. Ocupamos os nossos dias com
défices, orçamentos, Troikas, intervenções, Tribunais Constitucionais, segundos
resgates e programas cautelares. Da próxima vez que nos queixarmos da
arquitetura do Euro, lembremo-nos que a Europa se desfaz um pouco todos os
dias. E que as razões são ainda mais profundas do que pensávamos.
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