30 de outubro de 2015

Governo a dias

Não é bem um Governo. Não é bem um conjunto de ministros. Não é bem para governar. É o segundo acto de uma peça em três actos.O primeiro acto foi o pedido a Passos para que formasse governo mesmo caindo logo a seguir. Era o único caminho, mas para ver teatro aí está o D. Maria II. Segue segundo acto: compor governo a dias, para escrever programa durante as tardes, das 2 às 5. E cá temos um pseudo governo com secretários de Estado promovidos e ministeriação de professores universitários, que podem regressar às universidades já amanhã. O terceiro acto é a queda no Parlamento, que se fará sem estrondo e com actores pouco convictos. Já se sabe que o poder tem os seus ritos e encenações. Neste caso, é uma encenação que serve a todos: Passos é o traído, a quem roubam a vitória, Costa, o lutador que ganha na arena parlamentar. A pergunta é só uma: porque é que em vez de uma comprida peça em três actos que dura semanas não se faz o mesmo com um espectáculo rápido sem intervalos para compromissos publicitários? Só tínhamos a ganhar. 

Diário Económico de 29 de outubro de 2015


28 de outubro de 2015

Os trabalhos de Costa

Costa parece ter o tal governo de esquerda novinho em folha. Falta só o resto. E o resto são muitos trabalhos, tantos quantos os de Hércules.

1. Formalizar o acordo de esquerda com assinaturas. 
2. Assegurar que o acordo é detalhado e não mera lista de medidas para português ver. 
3. Ter acordo duradouro. 
4. Tratar que BE e PCP aceitem o Tratado Orçamental.
5. Garantir que os deputados do PS viabilizam o acordo.
6. Assumir que a redução da dívida pública é prioritária.
7. Rejeitar o programa do provável governo de Passos Coelho propondo alternativa clara.
8. Formar governo de elevada capacidade técnica e política. 
9. Apresentar programa de governo no qual a maioria do eleitorado se reveja.
10. Ajustar o cenário macroeconómico do PS ao programa do governo. 
11. Negociar o rumo com bancadas parlamentares do BE e do PCP sem perder o rumo.
12. Governar com estabilidade para que o futuro Presidente não se oponha. 

É muita coisa e é difícil. Quase tanto como o último trabalho de Hércules: ir ao reino dos mortos e voltar.

Diário Económico de 22 de outubro de 2015

16 de outubro de 2015

O acelerador de partículas

Estava o país posto em sossego, quando Costa entendeu fazer de acelerador de partículas da política portuguesa. Estes equipamentos conseguem acelerar partículas a uma velocidade próxima da velocidade da luz e permitem conhecer as partes mais ínfimas da matéria. Costa não hesitou em propor que PCP e BE acelerassem o seu imobilismo para apurar as partes mais ínfimas das suas convicções. Assim se pode resolver um bloqueio estrutural: a impossibilidade de coligações à esquerda. Mais do que um governo, discute-se o epicentro do debate político. Daí tantas reacções destemperadas. A verdade é que no caso do tal governo de Esquerda existir, não parece que Costa vá ter oposição interna significativa ou cisões relevantes. No entanto, é conhecida a teoria dos aceleradores de partículas poderem criar pequenos buracos negros que engulam a matéria. E um governo de Esquerda que não assente num entendimento amplo e claro sobre matérias fundamentais pode muito bem ser o buraco negro que engole o PS.

Diário Económico de 14 de outubro de 2015

5 de outubro de 2015

O assombroso défice

Apenas 43% dos portugueses adultos completaram o ensino secundário. Somos o pior país da União Europeia, descontando Malta. Na UE, a média é de 76%. O fosso é tão grande que só Portugal e Malta têm um número inferior a 50%. Não espanta que o desemprego atinja sobretudo os que não têm o ensino secundário. Este atraso não é novo: chegámos aos anos 70 com 25% de analfabetismo quando a Holanda tinha essa taxa no século XVIII e a Inglaterra no século XIX. Sabendo tudo isto, quem tanto fala em consensos tinha aqui uma oportunidade. Mas nada disso sucedeu: as Novas Oportunidades, o único programa abrangente de formação de adultos alguma vez lançado, foi desmantelado pelo Governo e nunca substituído. Uma das prioridades na educação é lutar contra este assombroso défice educacional. Deve ser feita uma avaliação séria do que foram as Novas Oportunidades e melhorar o que houver para melhorar. Não podemos é desistir de milhares de pessoas. Relançar a educação de adultos é relançar o país. 

Diário Económico de 30 de setembro de 2015

Faça o favor de sair

As eleições gregas do próximo domingo serão as quintas eleições legislativas gregas nos últimos seis anos. Tantas eleições só podiam andar a par com os programas de resgate gregos: três nos últimos cinco anos. Para Portugal, não deixa de ser surpreendente que, em plena campanha eleitoral, seja um assunto a passar despercebido. A razão é simples: Portugal não é nem nunca foi a Grécia. A história, a sociedade e a cultura são outras. Além disso, há uma tradição portuguesa de cooperação com a Europa (e não de afrontamento à moda de Tsipras) que acaba por ser seguida por todos os governos. É por isso que colagens do PS ao Syriza não funcionam. Numa análise europeia, segundo as sondagens, pode não haver uma maioria estável, colocando em risco o terceiro resgate e levando a novas eleições e a novas cimeiras europeias, e assim sucessivamente. O que leva sempre à mesma questão: saber se estes resgates-Sísifo não passam de um mal disfarçado convite à saída da Grécia do euro. 

Diário Económico de 18 de setembro de 2015

Labirinto

Até agora, Passos Coelho seguiu uma estratégia cuidadosamente preparada: não propor, não convencer, não aparecer e não falar.Propostas e contas nem pensar. Balanço dos últimos quatro anos era para esquecer. Ideias para os próximos quatro melhor esconder. E entrevistas e debates estariam foram de questão. No fundo, tratava-se de despolitizar as eleições dizendo que não haveria alternativa e que qualquer alteração de rumo, mínima que fosse, seria um desastre. Mais do que cativar votos, esta estratégia pretendia levar os indecisos a não votar, fazendo-os crer que não havia nada a mudar. Só que bastou tornar a haver debate político - julgar o que se fez, ponderar o que se vai fazer - para que ficasse claro que não é possível prender o país em 2011 e mandar a chave fora. Passos Coelho está outro: já vai dar entrevistas e começou a defender o seu legado. Parece é ir muito tarde para seduzir indecisos, que dificilmente irão compreender esta súbita mudança.se nenhuma, o Estado pagava turmas a colégios privados.

Diário Económico de 15 de setembro de 2015