19 de junho de 2014

Crónica indignada em tempos de Mundial



Indigne-se. Mas com estilo. Está na altura de escrever aquela crónica marcante e definitiva sobre um assunto. E, à boleia, mostrar que é um verdadeiro conhecedor daquela tragédia que se deve falar mas que ninguém fala. Qual tragédia? Exatamente essa. Comece por uma frase apelativa que pode bem ser esta: “Enquanto todo o mundo está a ver os jogos do Mundial”. Repare como esta magnífica abertura dá a entender que o mundo está parado a ver jogos de futebol atrás de jogos de futebol mas há uma pessoa atenta e vigilante que se preocupa seriamente com as coisas, você mesmo, o cronista indignado. Repare ainda como esta frase sugere que está acima destes fenómenos de massas que provocam alheamento estupidificante. No fundo, no fundo, o caro cronista indignado é o reduto final da espécie humana que não está alienada a engolir doses cavalares de hipnotismo futebolístico ministradas pela FIFA. Você está lá, num patamar superior de contemplação estoica da ordem mundial. Que inveja.

Uma vez conquistada a admiração embevecida do leitor pela renúncia sofrida ao maior fenómeno desportivo mundial, está na altura de completar a frase com aquela horrível tragédia. Qual? É mesmo essa. Quanto mais tragédia, melhor. Quanto mais desconhecida, melhor. Dou-lhe três possibilidades de indignação pronta a vestir. A conquista da maior refinaria do Iraque por extremistas que fazem parecer a Al Qaeda uns meninos de coro, a guerra não declarada entre a Ucrânia e a Rússia ou o recente golpe militar na Tailândia. A indignação só é boa se for acutilante e der uma ideia logo a abrir da insustentável situação. Portanto, complete a frase anterior com “o [inserir país] desfaz-se aos nossos olhos perante a passividade da comunidade internacional”. Está em grande, meu caro.

O que é que falta na crónica? Já adivinhou, não já? Faltam aquelas palavrinhas mágicas: decadência e Europa. Por qualquer ordem. Tanto pode ser “a decadência da Europa” como esta “Europa decadente”. Portanto, acrescentamos ainda que toda a situação “demonstra bem o estado a que chegou esta Europa decadente”. Finalmente, conclua dando uma lição de moral ao leitor. Ele precisa de se sentir culpado. Ele quer sentir-se culpado. E o cronista indignado tem que mostrar que fez um pequeno esforço para compreender esse jogo bárbaro que se joga com os pés e com a cabeça, embora no caso da seleção portuguesa seja sem cabeça mesmo. Sugiro o seguinte: “Da próxima vez que marcarem um golo no Mundial, lembre-se que é a sua segurança que está em causa”. Dá-me uma cópia autografada da sua crónica indignada?

Cá está a nossa bela crónica indignada em tempos de Mundial. Prontinha a pespegar por aí: ““Enquanto todo o mundo está a ver os jogos do Mundial, o [inserir país] desfaz-se aos nossos olhos perante a passividade da comunidade internacional, o que demonstra bem o estado a que chegou esta Europa decadente. Da próxima vez que marcarem um golo no Mundial, lembre-se que é a sua segurança que está em causa”. Quando sair à rua e caírem beldades nos seus braços a elogiar a sua escrita poderosa e a sua consciência dos problemas do mundo perante o alheamento geral, lembre-se deste texto e refira de passagem quem o inspirou. O escriba envergonhado que quer ver todos os jogos do Mundial agradece.   

17 de junho de 2014

Teorias de uma conspiração


A culpa não foi nossa. O árbitro viu um penálte que mais ninguém viu. Se fosse ao contrário, não marcavam. Onde é que alguém ia marcar um penálte contra a Alemanha. Ainda para mais com a Mérkel a assistir. Aquilo foi carga de ombro. Ou carga de mão. Tanto faz. Um penálte daqueles não se marca. Ainda por cima na primeira parte do primeiro jogo do grupo. Se fosse no segundo ou no terceiro jogos, ainda se compreendia. Agora, no primeiro jogo do grupo é muito suspeito. O árbitro é sérvio? Está explicado. Toda a gente sabe que a Sérvia é irmã da Rússia. E que a Rússia é muito amiga da Suíça por causa das contas que os ricaços russos lá têm guardadas. Ora, a Suíça é praticamente a Alemanha. É claro como água de coco brasileira: os alemães pediram aos suíços para pedir aos russos para pedir aos sérvios para pedir ao árbitro para fazer um jeitinho. E ele fez um jeitão. Somos sempre roubados. Sempre. E depois há ainda o Pepe. Ele não faz nada. O alemão é que o provocou. Ele só foi lá tirar satisfações. E encostou, en-cos-tou, a cabeça ao de leve. Estas coisas estão sempre a acontecer. Mas só a nós é que nos expulsam. Se fosse ao contrário, também expulsavam o português por estar a fazer fífias. A FIFA é que é uma grande fífia. Isto está tudo feito. Viu-se logo nos grupos que ficaram feitos. Toda a gente tem grupos fáceis e nós, pumba, a Alemanha e a Merkel. Só para nos lixar. Podia ser o Gana, os EUA e a Costa Rica. Mas não a Alemanha. É logo para o português ficar sem manias. Não papo grupos e não papo este grupo, que a mim não me enganam. É que a Alemanha tem que passar. Tem que ser. Ou achas que a Mérkel ia ver um jogo que não ganhava? Oh pá, eu não nasci ontem. Isto já estava tudo feito. O resto nem vi, que já sabia que ia ser uma roubalheira. Eu não vejo mais nada. Para mim, está tudo visto. Quando organizarem um Mundial a sério, sem FIFA e sem roubalheiras, eu volto a ver a seleção.