Indigne-se. Mas com estilo. Está na altura de escrever
aquela crónica marcante e definitiva sobre um assunto. E, à boleia, mostrar que
é um verdadeiro conhecedor daquela tragédia que se deve falar mas que ninguém
fala. Qual tragédia? Exatamente essa. Comece por uma frase apelativa que pode
bem ser esta: “Enquanto todo o mundo está a ver os jogos do Mundial”. Repare
como esta magnífica abertura dá a entender que o mundo está parado a ver jogos
de futebol atrás de jogos de futebol mas há uma pessoa atenta e vigilante que
se preocupa seriamente com as coisas, você mesmo, o cronista indignado. Repare
ainda como esta frase sugere que está acima destes fenómenos de massas que
provocam alheamento estupidificante. No fundo, no fundo, o caro cronista
indignado é o reduto final da espécie humana que não está alienada a engolir
doses cavalares de hipnotismo futebolístico ministradas pela FIFA. Você está
lá, num patamar superior de contemplação estoica da ordem mundial. Que inveja.
Uma vez conquistada a admiração embevecida do leitor
pela renúncia sofrida ao maior fenómeno desportivo mundial, está na altura de
completar a frase com aquela horrível tragédia. Qual? É mesmo essa. Quanto mais
tragédia, melhor. Quanto mais desconhecida, melhor. Dou-lhe três possibilidades
de indignação pronta a vestir. A conquista da maior refinaria do Iraque por
extremistas que fazem parecer a Al Qaeda uns meninos de coro, a guerra não
declarada entre a Ucrânia e a Rússia ou o recente golpe militar na Tailândia. A
indignação só é boa se for acutilante e der uma ideia logo a abrir da
insustentável situação. Portanto, complete a frase anterior com “o [inserir
país] desfaz-se aos nossos olhos perante a passividade da comunidade internacional”.
Está em grande, meu caro.
O que é que falta na crónica? Já adivinhou, não já?
Faltam aquelas palavrinhas mágicas: decadência e Europa. Por qualquer ordem.
Tanto pode ser “a decadência da Europa” como esta “Europa decadente”. Portanto,
acrescentamos ainda que toda a situação “demonstra bem o estado a que chegou
esta Europa decadente”. Finalmente, conclua dando uma lição de moral ao leitor.
Ele precisa de se sentir culpado. Ele quer sentir-se culpado. E o cronista
indignado tem que mostrar que fez um pequeno esforço para compreender esse jogo
bárbaro que se joga com os pés e com a cabeça, embora no caso da seleção
portuguesa seja sem cabeça mesmo. Sugiro o seguinte: “Da próxima vez que
marcarem um golo no Mundial, lembre-se que é a sua segurança que está em
causa”. Dá-me uma cópia autografada da sua crónica indignada?
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