Durante o dia de hoje, os nossos deputados terão finalmente
uma questão verdadeiramente importante para decidir: devem ou não as consoantes
mudas sobreviver? Será que Portugal deixa de ser Portugal e que os portugueses
deixam de ser portugueses se passarmos a escrever sem as consoantes mudas?
Devemos condenar à morte estas periclitantes letrinhas? Andamos tão entretidos
com questões menores como o desemprego elevado, a emigração galopante e os
cortes definitivos nas pensões que não estamos suficientemente atentos para a
maior ameaça à maneira de viver portuguesa: o Acordo Ortográfico.
Pelo menos, é essa a ideia que fica cada vez que se lê mais
um artigo contra o Acordo Ortográfico. Ainda esta semana, foram publicados
vários deles no jornal Público. Clama-se contra a invasão estrangeira. Brame-se
pelo português de lei. Invectivam-se os traidores da pátria portuguesa. Mas
será que o Acordo Ortográfico nos vai condenar a uma nova Idade Média de trevas
e ignorância? Será que podemos viver normalmente sem consoantes mudas? O que me
parece é que há pelo menos dez boas razões para apoiar o Acordo Ortográfico.
1. Começando pelo princípio. Foi Portugal que, em 1911,
alterou a grafia da língua portuguesa sem consultar o Brasil, o que fez com que
passasse a haver duas ortografias para a mesma língua. O Acordo vem resolver
este erro histórico.
2. As alterações do Acordo Orográfico facilitam a
aprendizagem. Quer de crianças, quer de estrangeiros. Por uma razão simples: as
palavras passam a ficar mais próximas da forma como se lêem.
3. O Acordo Ortográfico apenas afeta um número diminuto de
palavras, cerca de 1,6%. O que significa que as alterações trazidas pelo Acordo
são mínimas face ao português que se escreve.
4. As escolas portuguesas já ensinam conforme o Acordo
Ortográfico. As leis portuguesas já são publicadas conforme o Acordo
Ortográfico. O Governo já governa conforme o Acordo Ortográfico. A maioria dos
jornais já publica conforme o Acordo Ortográfico. Parece impossível, mas tudo
isto acontece sem revolta, dor ou trauma.
5. Entrando no Acordo, é evidente que nunca poderia haver
qualquer acordo com o Brasil para unificar a ortografia que não abrangesse as
consoantes mudas. É que, simplesmente, os brasileiros não as afloram nem as
pronunciam.
6. E quem acha que abdicámos da nossa forma de escrita, é
bom lembrar que o Brasil também cedeu e deixou, por exemplo, de usar o trema em
algumas palavras, como no "u" em linguiça.
7. Há apenas oito países no mundo que têm o português como
língua oficial. E só há duas ortografias, a portuguesa e a brasileira. Chegar a
um consenso quanto à forma de escrever é relativamente fácil. O que é altamente
vantajoso para uma língua falada em quatro continentes por mais de 250 milhões
de pessoas.
8. Numa perspectiva egoísta, o Acordo Ortográfico contribui,
de forma modesta, para que o português do Brasil se mantenha português do
Brasil e não se torne brasileiro. Sim, interessa-nos que o português seja
falado por mais de 200 milhões de pessoas na América do Sul.
9. O Brasil já aplica o Acordo Ortográfico e, ao contrário
do que se diz, não o rasgou nem o rejeitou. Apenas prolongou o período de
transição em que se podem utilizar as duas grafias, a antiga e a nova, que
passou de 2012 para 2015. Aliás, todos os países de língua oficial portuguesa
já ratificaram o Acordo Ortográfico. A única exceção é Angola que, mesmo assim,
tem dado alguns sinais de querer rever a sua posição.
10. Finalmente, um dos argumentos mais repetidos é que não
devemos escrever como os brasileiros porque somos portugueses. Ver telenovelas
brasileiras, tudo bem. Ouvir cantores brasileiros, excelente. Ler romancistas
brasileiros, nada contra. Admirar futebolistas brasileiros, sim senhor. Comer
comida brasileira, é um gosto. Viajar para o Brasil, uma maravilha. Mas
escrever como os brasileiros é que é mortal.
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