A segunda guerra mundial não chegou até
nós. A nossa segunda guerra mundial foi seguida em duvidosa neutralidade
enquanto o Estoril se enchia de espiões e se faziam fortunas com a exportação
de volfrâmio para a Alemanha. A ocupação japonesa de Timor era demasiado remota
para mudar este estado de coisas.
Ainda hoje, temos dificuldades em perceber
a dinâmica da Europa central, onde as cidades parecem todas iguais e muita
gente fala melhor alemão que inglês. Temos as mesmas dificuldades para perceber
bem o que foi a segunda guerra mundial: um confronto de proporções gigantescas
entre a Alemanha e a União Soviética. Montgomery no deserto e o Dia D são
episódios largamente romanceados e bem menores quando comparados. Daí que não
admire que saibamos muito pouco sobre a devastação dos tempos a seguir à
guerra. E é disso que este livro trata. Com o cuidado e o rigor que o tema
merece. É que todos os povos precisam de mitos fundadores que garantam a sua
inocência. Mas nunca é bem assim.
Humilhações, vinganças, torturas e
matanças. Só com culpados. Os checos vingaram-se dos alemães de forma
descontrolada: morreram cerca de 40.000. Dos prisioneiros de guerra alemães
guardados pelos franceses, morreram uns 24.000 por falta de condições de
subsistência. Claro que este número empalidece com o milhão que morreu às mãos
dos soviéticos. Calcula-se que tenham morrido também uns 50.000 alemães em
campos de trabalho forçados na Polónia. Mas a morte não escolhia apenas os
derrotados. À medida que a França se ia libertando, os antigos resistentes
também iam executando colaboracionistas. Estima-se que uns 10.000. Aconteceu o
mesmo na Bélgica, na Holanda e em Itália. Aliás, o norte de Itália, a última
zona a ser libertada, entrou numa espiral de violência sem controlo: em dois
meses foram assassinados 9.000 alegados fascistas.
A morte andava à solta. E a cobardia
também. Em França, era habitual as mulheres acusadas de terem colaborado com
alemães serem despidas em público e terem o cabelo rapado. Na Noruega, as crianças filhas da ocupação alemã, completamente saudáveis, foram tratadas
como portadoras de algum tipo de deficiência mental durante toda a sua vida.
Nem o anti-semitismo abrandou. Na Holanda,
os judeus regressados foram recebidos com frieza. Na Hungria, na Ucrânia e até
na Polónia, onde, de facto, morreram cerca de três milhões de judeus,
comunidades inteiras atacavam judeus, muitas vezes matando-os. A Ucrânia e a
Polónia tiveram limpezas étnicas recíprocas em larga escala. Já para não falar
da deslocação forçada de milhares de polacos da Ucrânia para a Polónia e de milhões
de alemães da nova Polónia ocidental, antigo território alemão, para a
Alemanha, onde viveriam sempre algo ostracizados.
A União Europeia tem origem remota em formas de
cooperação desenvolvidas pela França e pela Inglaterra ainda na primeira guerra
mundial. Não há dúvidas que a barbárie da segunda guerra, e a devastação que se
lhe seguiu, foram o principal motivo para a sua criação. Apesar de a União Europeia hoje ser muito mais do que uma entidade que preserva a paz, talvez o seu destino seja só esse. Veremos nas próximas décadas.
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