Primeiro passo - Abra um colégio privado. Se possível, em
zonas onde há escolas públicas. Assim, tem a certeza que tem alunos. Dê um
saltinho à zona de Coimbra que lá sabem bem como se faz. Forneça todos os
serviços que a escola pública não consegue fornecer e que lhe permitem dizer
que o seu colégio se diferencia pela qualidade. Comece pelo transporte privado
e acabe nas aulas de karaté. Para assegurar que corre tudo bem, diversifique o
risco. Não, não, não. Não ligue a quem lhe diz que não pode ter uma clínica
agregada ao colégio e que também não pode vender cafés. Iniciativa privada é
iniciativa privada. Portanto, pode tudo. Só não pode não ser empreendedor
educativo.
Segundo passo - Celebre um contrato de associação com o
Estado para que este lhe pague pelos alunos que a escola pública não tem lugar.
Agora, pergunta "Mas eu abri o colégio privado numa zona com escolas
públicas meio vazias?". Você de facto não percebe nada disto, pois não?
Ainda bem que comprou este Manual que foi especialmente escrito para si. A
ideia é que o colégio privado substitua a escola pública. Você quer ou não quer
ter rendas? Se lhe perguntarem porque é que tem um colégio numa zona com
escolas públicas meio vazias, responda com serenidade e olhar compungido:
"Os meninos têm direito a ser muito bem tratados como são aqui no nosso
colégio". Se não conseguir dormir à noite com esta ilegalidade, contrate
um alto funcionário do Ministério da Educação como consultor para dormir mais
descansado.
Terceiro passo - Selecione cuidadosamente quem admite no
colégio. Outra pergunta: "Mas não é suposto eu admitir toda a gente?"
Você é quase um caso perdido. Acha que lhe interessa admitir alunos com
dificuldades ou com um enquadramento social problemático ou com garantias que
não vão ter boas notas? Pois é, não interessa nada. Admita um ou outro com ação
social escolar, quando muito. E não se esqueça dos exames e dos rankings. Os
jornais ordenam as escolas pelos resultados de alguns exames sem ter em conta
outros factores como o contexto social e cultural. Portanto, carregue na preparação
desses exames e esqueça tudo o resto.
Quarto passo - Aguarde que um Ministro declaradamente contra
a escola pública tome posse. Deixe passar uns anos a marinar. Espere que se
instale o debate sobre o cheque-ensino. Dê entrevistas e aprenda a dizer
liberdade de escolha a uma velocidade de meia sílaba por segundo. Passa bem na
televisão. Aguarde serenamente a entrada em vigor do novo Estatuto do Ensino
Particular e Cooperativo, o que até já aconteceu no passado dia 5 de novembro.
Com este novo Estatuto, o Estado passa a poder celebrar contratos de associação
sem restrições, quer haja escolas públicas na zona, quer não. Já viu como o
colégio que abriu em flagrante violação da lei já está legal? Agora que já
dorme descansado, também já pode despedir o alto funcionário do Ministério da
Educação contratado como consultor.
Quinto passo - Com o seu colégio legalizado pode abrir mais
colégios à medida que forem fechando escolas públicas. Terá que admitir alguns
alunos com o cheque-ensino mas serão sempre poucos, pois já se sabe que o seu
colégio não tem lugares ilimitados. Mantenha os critérios de seleção descritos
no terceiro passo. Para celebrar novos contratos de associação e abrir novos
colégios, readmita o alto funcionário do Ministério da Educação como consultor.
Previna o futuro e tenha a seguinte cábula à mão para debitar com um ar
indignado para jornalista anotar: "Fiz avultados investimentos para ter
este colégio a funcionar e agora querem acabar com o contrato Vivemos num
Estado totalitário sem liberdade de escolha. Se o contrato acabar, o colégio
vai ter que fechar e é a educação destas crianças que fica posta em
causa". Goze bem as suas rendas por muitos e bons anos. E não se preocupe
se o Estado acaba por gastar muito mais para ter piores resultados.
Epílogo: Quando reparar que as verbas para o ensino especial
diminuem e as verbas para os seus colégios aumentam, pestaneje. Não é nada
consigo.
PS: Este Manual foi parcialmente baseado na reportagem da
TVI sobre este assunto transmitida no passado dia 4 de novembro.
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