As europeias não são umas eleições. Ninguém consegue
explicar em duas linhas para que serve e o que faz o Parlamento Europeu. E ninguém
sabe bem o que fez cada um dos eurodeputados. A prova é que só falamos dos
nossos quando levam Portugal para Bruxelas e falam lá do que se discute cá. De
resto, perdemo-nos em glórias burocráticas como os relatórios relatados ou as
comissões presididas. Há exceções. Mas demasiado escassas para tornar tudo
diferente. Se não se sabe bem por que se vota, vota-se pelo que pode afetar a
vida de todos os dias. As europeias não são umas eleições. São uma sondagem
oficial e certificada sobre o estado do país.
É por isso que a abstenção não é relevante. Desde as europeias
de 1994 que está acima dos 60%. Aliás, em 1994 foi de 64%. Nas europeias de
domingo, ficou em 65%. É quase o mesmo. Proclamar que esta abstenção é
alheamento é esquecer que os eurodeputados não sobem impostos nem cortam
reformas, só para falar das mais recentes tendências da política portuguesa.
Sendo assim, as europeias só comparam com as europeias. E o melhor é comparar
com as últimas. Entretanto, podemos parar com a flagelação por nos termos abstido numas eleições que parecem servir para muito pouco. A culpa não é nossa, nem dos eurodeputados. É mesmo da arquitetura institucional europeia, que só muito lentamente e em pequeninos passinhos tem dado poderes que se vejam ao Parlamento Europeu.
O PS quase não ganhou estas europeias. Comparando com as
europeias de 2009, em que teve 26% e cerca de 946.000 votos, em 2014 o PS teve 31%
e apenas mais uns 85.000 votos. Em 2009, o PS estava desgastado por estar no Governo.
Em 2014, o PS está desgastado por estar na oposição. Depois de três anos de
Governo intenso com medidas de empobrecimento geral, Seguro apenas consegue o
segundo pior resultado de sempre do PS em europeias. Não é pouco. É quase nada.
O PSD e o CDS perderam as eleições. E perderam bem. Dos
votos somados que tiveram em 2009, quando concorreram separados, um terço
desapareceu. Ou, doutra forma, um em cada três votantes no PSD e no CDS
preferiu não repetir o voto. É um desastre. E que ainda não acabou. Por mais
discursos que se façam com os olhos e as palavras nas eleições legislativas.
O PCP subiu ligeiramente a sua votação quando a comparamos
com as europeias de 2009, o que, tendo em conta a sua implantação e a sua
capacidade de atrair voto de protesto, não surpreende. A dimensão da derrota do
BE está nestes números: 382.667 votos nas europeias de 2009 e apenas 149.546
nas europeias de 2014. O BE perdeu 233.121 votos. Nunca mais os vai recuperar.
O Livre de Rui Tavares, um partido que há um ano nem existia, teve metade dos
votos do BE nestas europeias. Ainda vai recuperar mais votos do BE.
Finalmente, o partido verde de Marinho e Pinto, um notável
ecologista, conseguiu um verdadeiro feito. Sem estrutura nem campanha mediática,
teve 7,2%, cerca de 234.000 votos. Falando vagamente nos males dos partidos,
que não quer substituir, nos advogados, que já não quer representar, e na
corrupção de juízes, que suspeita haver, ainda propõe a criação de tribunais
pelo interior do país. Tudo simples, tudo fácil. Mas a verdade é que este discurso
mais popular que populista permitiu ser o terceiro partido mais votado nos
distritos de Bragança, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu e ainda nos
Açores e na Madeira. Se há um vencedor destas europeias, é mesmo Marinho e
Pinto. E também o segundo eurodeputado eleito, que ainda não fixei o nome.
As contas finais são estas. Seguro não consegue ganhar votos
e a dupla Passos e Portas está em queda acentuada. A continuar assim, será
inevitável haver um governo bloquista centralista com uma liderança tricéfala.
Se lideranças bicéfalas em blocos dão que no dão, esta só pode dar pior. Os três
partidos de governo têm uma base cada vez mais estreita.
Mas a maior conta final é mesmo o que leva Marinho e Pinto a
ter tantos votos. Afinal, o que faz com que tanta gente prefira votar em
algumas vagas ideias sobre partidos, a corrupção e as dificuldades da vida? Parte da resposta está
nos últimos anos. Ou até nos últimos meses. O principal instrumento do ofício dos políticos é a sua palavra. Se esta não tem valor, aceitação ou credibilidade, o voto transfere-se para quem assegura um mínimo desses três componentes. Mesmo que defenda ideias pouco elaboradas.
Não há muito tempo Passos tentou
enganar o país inteiro dizendo que uma subida de impostos não era uma subida de
impostos. Ainda há menos tempo, Seguro, a mais de um ano de distância de
eventualmente ser eleito, já promete que não sobe impostos e repõe salários e
pensões. Nem o primeiro enganou ninguém, nem o segundo convenceu alguém. São apenas exemplos que passam despercebidos. Mas que levam a um enorme desalento com quem governa ou com quem pode realmente governar.
Estas europeias demonstram que tudo o que vai acontecendo
pela Europa, o esboroamento do sistema partidário tradicional, também vai
chegar a Portugal. Parece é que pode chegar mais depressa do que se pensava.
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