Quando
o lema da Comissão Nacional de Eleições parece ser "eleições sim, campanha
eleitoral não", grande parte do debate eleitoral tem consistido na
contemplação dos mais variados cartazes autárquicos. Não vai ser fácil esquecer
o olhar esbugalhado de Abel Encarnação, candidato do PS à União de Freguesias
de Viseu. Nem da candidatura de Ricardo Martins, que representa o PSD na
corrida à Câmara de Lousada, e que parece mais interessado em publicitar o
desconto de 25% na óptica central da terra do que na sua própria candidatura.
Ou muitos outros de todos os partidos e movimentos vários.
A
verdade é que mais do que o apuro gráfico, as fotografias sem qualidade, os
erros ortográficos e as mensagens disparatadas, há muitas e boas razões para
gostar destes cartazes.
1.
No dia 29 de setembro, não vai haver uma eleição. Vão ser 308 eleições para as
câmaras municipais. E pouco mais de 3000 eleições para as freguesias. Quando se
diz que ninguém quer entrar para a política, estes cartazes demonstram que há
muita gente interessada pela sua freguesia, pelo seu concelho. Pessoas que
abdicam de parte da sua vida pessoal e profissional para se submeterem a
eleições. E que, muitas vezes, não se importam de aparecer em cartazes mais ou
menos patuscos e mal feitos na sua terra. Que eu saiba, não há nenhum orgão
autárquico sem candidaturas. É fácil esquecermo-nos do mais óbvio: que a
democracia só funciona quando há candidatos. E os cartazes aí estão, pujantes,
com centenas de candidatos.
2.
Portugal é Portugal. Naquele jeito manso de ser meio generoso, meio ingénuo e
por vezes cruel. Tão habituados que estamos à imagem de políticos que medem
cada palavra com cuidado e que lançam olhares estudados, que nos esquecemos do
Portugal lá fora. Aquele Portugal feito de pessoas autênticas. Umas vezes com
mau gosto. Outras vezes sem gosto nenhum. A autenticidade não é melhor que
figuras plásticas. Mas nunca ninguém pensou que pudesse haver candidatos e
cartazes aprimorados em mais de 3000 campanhas eleitorais. Há pessoas vivas,
reais. A publicidade não é enganosa. E o Portugal que somos aí está, nestes
cartazes.
3.
Discutimos à exaustão variáveis macroecónomicas de crescimento e decrescimento.
O debate passou a ser a autópsia de grandes números. Mas esquecemo-nos tantas
vezes dos problemas eminentemente locais. É como se andássemos o tempo todo a
trocar argumentos sobre o PIB numa casa sem água canalizada. Também me rio
quando vejo num cartaz que a prioridade deve ser a ampliação do cemitério. Mas
não esqueço que, provavelmente, deve ser mesmo um problema de Celorico. Estes
cartazes são locais, têm promessas locais para resolver problemas locais. Ainda
bem que cada um na sua comunidade sabe o que faz falta.
4.
Estamos a poucos dias do ato eleitoral. Os partidos já ensaiam a habitual
leitura nacional das eleições. Mais uma câmara. Menos uma câmara. Mais um voto.
Menos um voto. Um cartão amarelo ao Governo. Um cartão amarelo à oposição. Tudo
isto não passa de um aproveitamento vagamente anti-democrático. Cada leitura
destas é uma desvalorização do carácter local das eleições autárquicas. Tirando
um ou outro caso, em que, de facto, estão em causa figuras nacionais, a
esmagadora maioria das eleições consistem em escolhas de figuras locais. Não
surpreende que nas dez eleições autárquicas que já tivemos, o PS tenha ganho em
número de votos quase sempre. É que, se estas eleições tivessem o significado
nacional que sempre se ouve que têm, os resultados oscilariam muito mais e
seriam outros. Os cartazes estão aí para nos lembrar as vezes que forem
precisas que são eleições locais.
5.
Finalmente, sem estes cartazes não ficaríamos a saber que Manuel Vieira, o
candidato do Partido Trabalhista Português a Gaia, que se auto designa como
candidato ninja, tem o apoio de Obama, Dilma, Merkel, Hollande, Barroso,
Lagarde, entre outros líderes mundiais. É um caso de rara unanimidade que estou
certo vai pôr Gaia no mapa (ou mesmo elevá-la do mapa para uma figura
tridimensional) e que pode fazer com que a ONU tenha mais um português num
cargo de destaque. Para além de Baptista da Silva, claro.
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