Não há nada mais poderoso que o tempo. São os anos passados
que permitem perdoar falhas, imposturas, enganos, traições e desamores. Ou que
dão valor a certezas, verdades, convicções, fidelidades e amores. São os anos
passados que confirmam escolhas. Ou que confirmam caminhos errados. Não
escolhemos duas vezes da mesma maneira. Não erramos duas vezes da mesma maneira.
E nunca julgamos duas vezes da mesma maneira. É para isso que existem as
prescrições. Para fazer com que os anos passados não sejam apenas anos passados
e para que as decisões sejam adequadas ao tempo que passou.
O funcionamento das prescrições é simples. Se passa um certo
número de anos a contar do momento em que alguém cometeu um crime (ou uma
contraordenação, que é um crime menor) sem que haja uma decisão final de um
tribunal, não pode haver um julgamento, nem uma condenação, nem uma pena. Os
tribunais ficam impedidos de o fazer. Há prescrições variadas que dependem da
gravidade do crime. Tanto pode ser necessário passar 15 anos como apenas dois.
As prescrições não são um sinónimo de impunidade. Nem de
complacência ou de relaxamento do poder de punir do Estado. São antes uma forma
de fazer com que os anos passados também contem numa eventual decisão. Por duas
razões. Por um lado, o tempo que passou pode ter tornado mais suave a
condenação da comunidade em relação ao crime. Por outro lado, não faz sentido
que um processo se arraste indefinidamente para desespero da pessoa acusada,
que bem pode estar inocente. É por isso que só há um tipo de crimes que é
considerado imprescritível e que nem todos os anos do mundo podem apagar. São
os crimes contra a Paz e a Humanidade, como o Holocausto nazi ou o Holodomor
soviético.
Nas últimas semanas, soube-se que tinha decorrido o prazo de
prescrição de oito anos de diversas contraordenações relacionadas com antigos
administradores do BCP. Estava em causa a prestação de informações erradas ao
mercado e a falsificação de contas ao longo de vários anos. Pelo doce enlevo da
prescrição, foram-se multas de um milhão e meio de euros. Entretanto, como
diria Maquiavel, é melhor anunciar todo o mal de uma vez. E assim vão surgindo
notícias que também há ou pode haver prescrições noutros processos do BCP, do
BPP e do BPN e até de outros crimes.
As contraordenações envolvendo bancos devem prescrever?
Devem, se já tiver decorrido o prazo legal. E deviam poder prescrever? Não. Os
sucessivos casos envolvendo bancos nos últimos anos puseram em causa de forma
séria a confiança no sistema bancário. A um ponto que até a supervisão
prudencial do Banco de Portugal, que não contempla a investigação de burlas ou
crimes graves envolvendo contabilidades paralelas, foi posta em causa. Ao
contrário do que devia ter sucedido, a condenação da comunidade em relação a
estes factos não se suavizou. Tornou-se até mais exigente.
Então, o que está errado com as prescrições? Nada. Isso
mesmo. Nada. Mais prazo, menos prazo, mais ano, menos ano, o resultado seria
igual. Não adianta muito que o Governador de Portugal tenha proposto que,
nestes casos, em vez de oito anos as contraordenações prescrevam em dez.
Alterar as leis de pouco serve. Até porque toda a legislação relacionada com
crimes e contraordenações não pode ser aplicada para o passado. E, na verdade,
a última alteração legal nesta matéria, que é do ano passado, até vai no
sentido certo, dificultando a prescrição quando já haja uma sentença
condenatória.
O que está errado é a forma como funcionam as investigações
e os tribunais. Como cada processo tem bem visível na capa a data da sua
prescrição, não é desconhecimento dos prazos. Mas como cada procurador do
Ministério Público ou juiz trabalha isolado e quase sempre só é avaliado quando
o processo chega ao fim, é desconhecimento geral a forma como o processo está a
ser conduzido. Investigações eficazes e julgamentos a tempo só são possíveis se
houver uma gestão correta da máquina judicial que permita evitar prescrições.
Com processos em papel, o Ministério Público a investigar
remetendo papéis e ofícios por carta, ausência de coordenação de investigações,
rivalidades entre polícias, rivalidades entre polícias e o Ministério Público,
falta de peritos técnicos e regras absurdas que permitem invalidar julgamentos
só porque houve uma interrupção por mais de trinta dias, não há gestão que
aguente.
Talvez a Ministra da Justiça se tenha precipitado quando
exclamou que tinha acabado o tempo da impunidade. O que parece ter acabado é o
seu tempo para fazer uma reforma séria do sistema judicial que não passe por
alterar leis e fazer códigos. É que estes, por muito bons que sejam, qualquer
um os faz. Ser um verdadeiro Ministro da Justiça que melhore a forma como este
serviço público é prestado e que garanta aos cidadãos que todos os crimes são
investigados e julgados, é que é bem mais difícil.
11 de abril de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário