2 de maio de 2014

What we talk about when we talk about education vouchers

Ou seja, do que falamos quando falamos do cheque-ensino. Falamos de um cheque dado a todas as famílias que tenham filhos em idade escolar. O valor do cheque corresponde à despesa que o Estado tem com esse aluno nas escolas públicas. O objectivo é que os pais possam escolher aplicar esse cheque na frequência de uma escola privada. Até agora, é assim que falamos do cheque-ensino: uma medida que promove a liberdade dando a cada um a possibilidade de ser educado onde quiser. Como disse Crato Ministro, trata-se de "desenvolver progressivamente iniciativas de liberdade de escolha para as famílias".   
Mas o cheque-ensino não é isto. E não é só isto. Melhor, acaba por não ser pouco disto. A ideia foi muito defendida por Milton Friedman, o economista de Chicago, que considerava que o Estado não devia subsidiar o produtor, a escola, mas sim o consumidor, o aluno. Só assim se poderiam evitar elevadas taxas de abandono escolar. A concorrência promovida pela livre escolha faria com que o mercado do ensino funcionasse com melhores resultados. Quer se tratasse de uma escola pública, quer de uma escola privada. Só que querer ver mercados onde eles não existem cria problemas graves. Pelo menos, três.
Por um lado, o cheque-ensino pressupõe que haja uma verdadeira liberdade de escolha entre as escolas disponíveis. E essa liberdade não existe. As escolas privadas têm um limite de vagas e, portanto, a liberdade de escolha fica condicionada. Mais. As escolas privadas não irão abdicar de seleccionar os seus alunos para tentar obter taxas de aproveitamento mais elevadas. Serão seleccionados alguns, aqueles que oferecem mais garantias de ter boas notas, os outros ficarão na mesma. A escola pública ficará mais desigual e com menos recursos. Pode dizer-se que irão florescer escolas privadas como cogumelos para aproveitar esta oportunidade de negócio. E que o mercado resolve. Basta pensar nos casos envolvendo universidades privadas nas últimas décadas para perceber que o mercado da educação não funciona com essa simplicidade.                  
Por outro lado, o cheque-ensino parte da ideia que as escolas privadas têm muito melhores resultados que as escolas públicas. Se consultarmos os rankings dos exames do ensino secundário, encontramos muitas escolas privadas nos lugares cimeiros. Mas também encontramos escolas privadas no último terço da tabela. E temos sempre que considerar que estas tabelas não têm em conta que as escolas públicas são de acesso universal, enquanto que as escolas privadas seleccionam alunos, o que lhes garante sempre melhores resultados. A ideia de que as escolas privadas são muito melhores que as públicas não é verdadeira. Até porque, onde há cheque-ensino, os resultados finais das escolas públicas e privadas não são muito diferentes.
Finalmente, o grande objectivo do cheque-ensino, aumentar a qualidade das escolas públicas, não parece ser cumprido. Onde existe cheque-ensino, muitas escolas públicas continuaram a ter maus resultados. É que as escolas não são propriamente uma empresa num mercado livre que passam a ter melhores resultados porque têm concorrência.       
A conclusão é que a introdução de um cheque-ensino generalizado, como parece ser a intenção de Crato, apenas promove que uma pequena parte das famílias possa mudar de escola (provavelmente as que têm mais recursos), não garante melhores resultados dos alunos, e não substitui que se façam investimentos nas escolas públicas em zonas deprimidas e que se continue a combater o abandono escolar com programas específicos. Acima de tudo, não permite combater eficazmente o abandono escolar, que até era a ideia principal de Milton Friedman. 
Corre até o risco de promover uma maior desigualdade no acesso à educação e de fazer com que a escola pública, a única que garante acesso para todos, tenha menos meios para cumprir o seu papel. Aliás, se pensarmos que no Chile as escolas privadas podem cobrar propinas adicionais para além do cheque-ensino, percebemos que o cheque-ensino pode bem ser uma forma de financiamento adicional das escolas privadas.         
Se há um país do mundo com o qual podemos aprender sobre este assunto é a Suécia. Com mais de 20 anos com um sistema de cheque-ensino, que se expandiu fortemente nos últimos dez, os resultados nos testes internacionais dos alunos suecos têm caído de forma consistente. Apesar de não haver uma relação directa, este facto é eloquente.   
Agora já posso dizer a razão do título estar em Inglês. Soube-se anteontem que o Inglês no 1.º ciclo deixou de ser obrigatório. Não se tratava de verdadeiras aulas de Inglês, mas de actividades de acompanhamento curricular que davam um primeiro contacto com a língua. Com esta medida, as escolas privadas continuam a ter Inglês no 1.º ciclo, pois não irão tornar opcional algo que é indispensável. As escolas públicas não se sabe. Como o Inglês é fundamental para qualquer actividade profissional e deve ser ensinado desde cedo, até parece que, daqui a um ano, Crato poderá argumentar que as escolas públicas não ensinam Inglês no 1.º ciclo porque não querem e que o melhor é criar um cheque-ensino para o efeito. Mas devo estar a ser malicioso. Afinal, Crato só quer defender a liberdade de escolha.           

20 de setembro de 2013

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