2 de maio de 2014

As pensões e a incompetência estratégica

Tempos houve em que era suposto os governos decidirem de forma transparente para que ninguém tivesse dúvidas em relação àquilo com que podia contar na sua vida. Tempos há em que, aparentemente, são tomadas decisões que, na verdade, são apenas comunicações truncadas para que ninguém saiba com o que pode contar na sua vida. É a estratégia da decisão queimada. Fala-se tanto e de forma tão pouco rigorosa sobre um assunto que, por medo, se acaba a aceitar qualquer decisão que seja definitiva e ponha fim à confusão. O que se passa com as pensões é o melhor exemplo.
Desde 2011 que as pensões de reforma têm um imposto especial: a contribuição extraordinária de solidariedade. Como o nome indica, é algo que apenas pode existir enquanto se verificar uma situação extraordinária. Ou seja, uma situação que acontece raras vezes. Em 2011, esta contribuição abrangia somente pensões superiores a € 5.000. Em 2014, passou a abranger todas as pensões superiores a € 1.000. Digamos apenas que o carácter extraordinário desta contribuição tem sido aprofundado no tempo e no valor.
Na semana passada, ficámos a saber quais os planos de Passos Coelho para as pensões. Ou pelo menos parte deles. Ou, se calhar, ficámos sem saber nada. Já se sabia que estava a ser estudada uma fórmula para tornar esta contribuição definitiva. Mas a Ministra das Finanças também já tinha dito que em 2015 "as pessoas não seriam mais penalizadas do que são agora, antes pelo contrário". Passos Coelho emendou a sua Ministra e disse que em 2016 é que vai ser: "Vamos ter no que respeita a salários e a pensões no futuro de os desonerar. Isso é claro. Possivelmente em 2016". Conclui-se que em 2014 atingimos o montante máximo da contribuição extraordinária de solidariedade. E que em 2015 essa contribuição vai passar a ser definitiva. E ainda que em 2016 vai ser aliviada. Digamos apenas que o definitivo de 2015 é um provisório para vigorar escassos doze meses. Um modelo de coerência, portanto.    
Estas insignificantes contradições já chegam para que um pensionista viva uma reforma cheia de emoção e aventura sem saber ao certo quanto receberá nos anos que lhe restam. No fundo, Passos Coelho só pretende dar uma certa cor à vida cinzenta dos reformados. Mas se juntarmos esta confusão à confusão anterior, que passava por indexar pensões à demografia e à evolução da economia, percebemos que Passos Coelho quer mais do que animar velhinhos. O que Passos quer é oferecer-lhes uma viagem mensal numa montanha russa de emoções em que cada mês é um novo mês de descoberta do valor da pensão. Afinal, para o Governo, os 80 anos são os novos 20. O facto de a atual fórmula de cálculo das pensões já incluir fatores como o crescimento económico ou a esperança média de vida não interessa para nada. 
Tendo em conta que o que está em causa não são as pensões, mas as pessoas que as recebem, este Governo, outro Governo, qualquer Governo só tinha um caminho: apresentar um estudo sério sobre o sistema de pensões, explicar a evolução previsível desse sistema nos próximos 30 anos, propor as reformas necessárias para assegurar a sua sustentabilidade, eliminar desigualdades e regimes especiais eventualmente injustos, aproximar os regimes das pensões públicas e privadas dentro dos limites autorizados pelo Tribunal Constitucional e ponderar de forma clara quais os cortes a fazer para que o sistema seja estável e previsível para todos.
E não, não vale dizer que é matemática e que basta fazer contas. Numa matéria tão sensível como esta, o Estado está obrigado a tomar decisões que possam ser escrutinadas por todos e a deixar documentos consistentes que permitam perceber as opções tomadas. Mas é compreensível que não haja nada disso. Afinal há poucas verbas para estudos, pareceres e consultas e, como se sabe, nem um cêntimo o Governo gasta em luxos desses.
O que fica é uma sucessão de contradições, incertezas várias, desmentidos semanais e infelicidades verbais. E que, no fundo, não passam das ordens camufladas do FMI. Basta consultar o recente relatório da 11.ª avaliação do FMI que foi ontem conhecido e que inclui quase tudo o que tem sido falado nesta matéria. Três anos de Governo e ainda não chegaram para que o próprio Governo decidisse o que quer fazer com as pensões sem ter que cumprir ordens troikanas.
Parece que, depois desta agitação, os cortes das pensões serão finalmente conhecidos no final do mês, embora sem garantias de vigorarem mais do que um ano. Na verdade, até parece que tanta incompetência é estratégia para que todos os pensionistas se sintam aliviados quando estes números forem conhecidos e parecer que a confusão chega ao fim. O que não deixa de ser uma estratégia bastante competente para quem quer decidir sozinho e sem grande escrutínio o que fazer com as pensões.

22 de abril de 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário