14 de maio de 2014

O escangalhamento da contratação coletiva

Novos tempos exigem novas palavras para descrever a realidade. Escangalhamento acabou de nascer para descrever o que faz o Governo nas suas propostas de revisão da legislação laboral, mais concretamente, da contratação coletiva.
Os contratos coletivos entre associações de empregadores ou empresas e sindicatos de trabalhadores têm vantagens para as duas partes. A empresa negoceia um contrato único para todos os trabalhadores, deixando de ter regimes diversos e variados para alguns. E os trabalhadores podem conseguir obter melhores condições de trabalho, pois, ao agir em conjunto, têm mais força negocial. 
Pela sua natureza, este contrato coletivo deve ser periodicamente revisto ou pode até acabar por iniciativa de uma das partes. Daí que o Código do Trabalho tenha regras para o que acontece quando o contrato coletivo chega ao fim ou quando, em novas negociações, não há acordo e há um impasse. A solução é simples: o contrato coletivo continua a vigorar por mais ano e meio e, se mesmo assim, não houver acordo, há lugar a arbitragem no Conselho Económico e Social para decidir como fica o contrato coletivo. Durante todo este processo os trabalhadores não perdem nem um cêntimo da sua remuneração. O que faz todo o sentido. Esta solução é justa, sensata e permite que, ao longo deste processo negocial, nenhuma das partes tenha mais força que a outra e possa impor uma solução desequilibrada.
Impante como se quer, Mota Soares apresentou na semana passada uma proposta mágica para escangalhar a contratação coletiva: se o contrato coletivo terminasse, os trabalhadores perderiam automaticamente direito a todas as parcelas da remuneração que não fossem remuneração-base. Ou seja, durante qualquer processo negocial relativo a um contrato coletivo, as associações de empregadores ou empresas passavam a poder impor as suas condições aos trabalhadores. O processo negocial pretendido por Mota Soares não era um processo negocial. Era um processo desigual. Pois os trabalhadores nunca poderiam negociar em igualdade sabendo que, a partir de determinado momento, passariam a ganhar menos.
O absurdo desta solução era tão evidente que nem as confederações patronais apoiaram esta proposta. Daí o escangalhamento. Escangalhar a contratação coletiva, fazendo com que não funcione. E fingimento, fingir que esta proposta era séria. Não era. Nem nunca poderia ser aceite por qualquer confederação de sindicatos, incluindo a UGT.
Ontem e hoje, anunciou-se com pompa que o Governo cedeu e esta proposta caiu. Não é verdade. Esta era uma proposta falsa para que o Governo fingisse que tinha cedido. Perguntar qual é o preço da UGT para alinhar com Passos, como pergunta António Costa, diretor do Diário Económico aqui, não está certo. A pergunta devia ser: qual é o preço do Governo para fazer propostas sérias?
Imagem de eNRIC VIVES-RUBIO retirada em http://www.publico.pt  

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