2 de maio de 2014

Manuel Vieira e líderes mundiais

Quando o lema da Comissão Nacional de Eleições parece ser "eleições sim, campanha eleitoral não", grande parte do debate eleitoral tem consistido na contemplação dos mais variados cartazes autárquicos. Não vai ser fácil esquecer o olhar esbugalhado de Abel Encarnação, candidato do PS à União de Freguesias de Viseu. Nem da candidatura de Ricardo Martins, que representa o PSD na corrida à Câmara de Lousada, e que parece mais interessado em publicitar o desconto de 25% na óptica central da terra do que na sua própria candidatura. Ou muitos outros de todos os partidos e movimentos vários.
A verdade é que mais do que o apuro gráfico, as fotografias sem qualidade, os erros ortográficos e as mensagens disparatadas, há muitas e boas razões para gostar destes cartazes.
1. No dia 29 de setembro, não vai haver uma eleição. Vão ser 308 eleições para as câmaras municipais. E pouco mais de 3000 eleições para as freguesias. Quando se diz que ninguém quer entrar para a política, estes cartazes demonstram que há muita gente interessada pela sua freguesia, pelo seu concelho. Pessoas que abdicam de parte da sua vida pessoal e profissional para se submeterem a eleições. E que, muitas vezes, não se importam de aparecer em cartazes mais ou menos patuscos e mal feitos na sua terra. Que eu saiba, não há nenhum orgão autárquico sem candidaturas. É fácil esquecermo-nos do mais óbvio: que a democracia só funciona quando há candidatos. E os cartazes aí estão, pujantes, com centenas de candidatos.
2. Portugal é Portugal. Naquele jeito manso de ser meio generoso, meio ingénuo e por vezes cruel. Tão habituados que estamos à imagem de políticos que medem cada palavra com cuidado e que lançam olhares estudados, que nos esquecemos do Portugal lá fora. Aquele Portugal feito de pessoas autênticas. Umas vezes com mau gosto. Outras vezes sem gosto nenhum. A autenticidade não é melhor que figuras plásticas. Mas nunca ninguém pensou que pudesse haver candidatos e cartazes aprimorados em mais de 3000 campanhas eleitorais. Há pessoas vivas, reais. A publicidade não é enganosa. E o Portugal que somos aí está, nestes cartazes.
3. Discutimos à exaustão variáveis macroecónomicas de crescimento e decrescimento. O debate passou a ser a autópsia de grandes números. Mas esquecemo-nos tantas vezes dos problemas eminentemente locais. É como se andássemos o tempo todo a trocar argumentos sobre o PIB numa casa sem água canalizada. Também me rio quando vejo num cartaz que a prioridade deve ser a ampliação do cemitério. Mas não esqueço que, provavelmente, deve ser mesmo um problema de Celorico. Estes cartazes são locais, têm promessas locais para resolver problemas locais. Ainda bem que cada um na sua comunidade sabe o que faz falta.  
4. Estamos a poucos dias do ato eleitoral. Os partidos já ensaiam a habitual leitura nacional das eleições. Mais uma câmara. Menos uma câmara. Mais um voto. Menos um voto. Um cartão amarelo ao Governo. Um cartão amarelo à oposição. Tudo isto não passa de um aproveitamento vagamente anti-democrático. Cada leitura destas é uma desvalorização do carácter local das eleições autárquicas. Tirando um ou outro caso, em que, de facto, estão em causa figuras nacionais, a esmagadora maioria das eleições consistem em escolhas de figuras locais. Não surpreende que nas dez eleições autárquicas que já tivemos, o PS tenha ganho em número de votos quase sempre. É que, se estas eleições tivessem o significado nacional que sempre se ouve que têm, os resultados oscilariam muito mais e seriam outros. Os cartazes estão aí para nos lembrar as vezes que forem precisas que são eleições locais.
5. Finalmente, sem estes cartazes não ficaríamos a saber que Manuel Vieira, o candidato do Partido Trabalhista Português a Gaia, que se auto designa como candidato ninja, tem o apoio de Obama, Dilma, Merkel, Hollande, Barroso, Lagarde, entre outros líderes mundiais. É um caso de rara unanimidade que estou certo vai pôr Gaia no mapa (ou mesmo elevá-la do mapa para uma figura tridimensional) e que pode fazer com que a ONU tenha mais um português num cargo de destaque. Para além de Baptista da Silva, claro.     

16 de setembro de 2013

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