10 de setembro de 2015

O dérbi

Costa marcou três golos fora sem resposta nesta eliminatória com uma única mão. Jogou com pressão alta e basculou muito bem. Passos tinha uma jogada muito bem ensaiada, mas repetiu a demasiadas vezes, deixando de surpreender o adversário com a referência a jogadores já retirados. E assim Passos acabou por deixar o autocarro estacionado à frente da baliza, preocupando se somente em defender. Costa deixou a simpatia em casa, engrenou a primeira e com fio de jogo foi marcando golos com remates bem colocados. Passos procurou sobretudo falar do campeonato de 2011, omitindo a sua participação no mesmo, no que falhou redondamente. Foi particularmente bem marcado o golo de Costa a propósito da Segurança Social em que a defesa de Passos foi completamente toureada com a estonteante finta plafonada de Costa. Na parte da saúde, ficou a sensação que Passos não tinha treinado, pois não sabia o que tinham feito os seus jogadores nesse campo. Infelizmente, o jogo foi marcado por alguma falta de imaginação em perguntas, pois ficou a faltar responder a temas de Justiça, Educação, Ciência, por exemplo.

Acusação precisa-se

E agora Sócrates continua preso, mas fora da prisão, em casa. Por muito alarido e essenciais entrevistas a entregadores de pizzas, a verdade é que continua tudo na mesma. A investigação já leva anos mas ainda não há acusação. O que faz com que se possa fazer um juízo moral sobre alguns factos mas com que não se possa avaliar devidamente nem as explicações dadas por Sócrates nem o trabalho feito pela investigação. Aliás, não se compreende como é que podendo estar em causa seis anos de governação do país, ainda não se sabe em concreto do que é que Sócrates é acusado. O que é agravado por Sócrates ter passado dez meses preso e pelas notícias que vão alegremente surgindo aqui e ali sobre os crimes que podem estar em causa. Duas perspetivas mais. Politicamente, dado que o PS sempre separou o processo da política, não parece que haja grande influência na campanha eleitoral. Pessoalmente, Sócrates não pode estar inibido de se defender, e deve falar sobre o processo, se assim o entender.

Diário Económico de 8 de setembro de 2015

7 de setembro de 2015

Crónica da solidariedade moderna


Calminha aí, muita calminha. Refugiados há muitos. E primeiro temos que tratar dos nossos. Quantos pobres não há para aí, sem que ninguém lhes dê uma sopa ou uma manta? Devem achar que os nossos pobres são menos que os outros, não? Ainda no outro dia vi uns quantos ali para os lados de Santa Apolónia. Meteram-me tanta pena, coitados. Estava a passar no carro e sentia-se bem o fedor. Aliás, quando depois fui beber uns gins naquele sítio novo ainda tinha o cheiro entranhado, o que foi muito chato. Alguém devia fazer alguma coisa por esses desgraçados. Eu tenho pouco tempo, sabem como é que é, casa-trabalho-casa. Mas estou sempre pronto para aderir a todas as causas e petições no Facebook e em todo o lado. E isso é que interessa mesmo. Quando as páginas de ajuda têm muita notoriedade, isso quer dizer que estamos todos a fazer muita força para ajudar. Se todos fizermos força, as coisas acontecem. Voltando aos refugiados. Sinceramente, eu acho que isto é muito estranho. Então agora é que aparecem pessoas e crianças mortas? Porque é que nunca ninguém fez nada antes? Andam todos a morrer que nem tordos e só agora é que sabem? Aqui há coisa. E eu sei muito bem que coisa é. Isto é mas é uma maneira dos terroristas virem todos para cá. Arranjam uns quantos mortos e tal e depois vêm aos magotes e lá no meio, vai-se a ver, vêm umas quantas bombas. Não me façam falar. Mas eu acho que isto das fotos e tal é mas é um plano para abrirem as fronteiras todas a toda a gente. Deviam era lá ficar com a gente deles, nas Arábias e nos Catares, que lá é que essa malta está bem, a explodirem-se uns aos outros. E ainda dizem que aquilo é malta qualificada e doutores e engenheiros. É simples: se são assim tão qualificados tinham emprego no país deles, que aquilo está em ruínas e de certeza que é preciso gente para trabalhar. Pobres só os nossos. Que são nossos e são de estimação. E eu calhando da próxima vez que passe em Santa Apolónia até lhes ofereço um gin. Palavra.

3 de setembro de 2015

A praia e o menino



Está tudo negro porque é assim que deve estar. Mas podemos fechar os olhos e pintar este quadrado com as cores e os traços que se espalharam ontem pelas redes cruciais. É um menino prostrado, rígido no seu cadáver, notoriamente morto, notoriamente afogado. Não tem mais de três anos e està à beira de suaves ondas do mar numa praia algures. Há um sol luminoso e o tempo é ameno. Todos o vimos. E, por isso, podemos imaginá-lo. Sabemos que é uma criança refugiada síria e que a praia é uma conhecida estância balnear turca. Terá morrido em viagem, a tentar chegar a uma ilha grega. O mar devolveu-a à costa. E tem um nome: Aylan Kurdi.

A imagem é tão poderosa que nos persegue com violência. Há uma tradição de usar imagens brutais para quebrar indiferença e aumentar a pressão sobre decisores políticos. É impossivel esquecer uma das imagens da guerra do Vietname: uma criança nua em pranto e em pânico a fugir do napalm. A foto da criança síria é da Reuters e tem sido capa por todo o mundo, com algumas inibições nos EUA. Ainda hoje é capa no Público, no Diário de Notícias e no i, embora em versões um pouco menos chocantes, com um polícia turco a olhar ou a recolher o corpo da criança, compondo a cena e evitando a brutalidade do menino morto e só.

Entre a necessidade de informar e de contar o que sucede aos refugiados sírios sem disfarces ou eufemismos e a decência e o respeito por uma criança real com uma família real e a crueza da sua morte, há uma linha muito ténue. Imagens como estas não são novidade e desafiam constantemente as regras éticas e os limites do jornalismo. Basta pensar nas imagens das execuções e queimas promovidas pelos terroristas do deserto que fingem ter um Estado ou nas fotografias dos mortos por armas químicas na Síria.

Precisamos de imagens para nos identificarmos com acontecimentos. Há sempre fotografias que descrevem eloquentemente acontecimentos marcantes como revoluções, guerras, batalhas, vitórias, derrotas e, também, tragédias. Daí que perceba que com mais ou menos hesitação imagens como estas sejam capas de jornais. O editorial de hoje do Público explica

O que não consigo perceber é a divulgação constante e, por vezes, alterada destas fotografias que vão pululando por aí em versões comprimidas de indignação instantânea. Todos influenciamos a nossa maneira de sentir e pensar porque agora todos difundimos notícias, ideias e imagens. E se a imagem já cumpriu o seu papel, ficando para sempre arquivada na Internet, não me parece que deva ser mais partilhada e repartilhada, obliterando reserva e pudor para a morte de um menino, uma tragédia mais intíma que não temos o direito de nos apropriar para choro público e para um suposto alívio de consciência. Fiquemo-nos pelo quadrado negro, sem fundo nem luz, que ilustra bem o que também é o mundo em que vivemos.