2 de maio de 2014

O estado da nação escavacada

Cavaco finalmente falou. Durante 20 minutos. Em voz pausada e ponderada. Com o mesmo ar professoral de sempre. Com o mesmo ar convencido em relação a cada palavra. E com a mesma forma pouco convincente que o caracteriza. Cavaco foi contraditório como nunca. Cavaco foi Cavaco como sempre. Ordenou sem parecer ordenar. Ameaçou sem parecer ameaçar. Exigiu sem parecer exigir.
Cavaco tinha dois caminhos. Podia dar posse novamente a Passos e Portas em segunda e piorada versão. Ou podia demitir o Governo. Cada um dos caminhos excluía o outro. Mas para Cavaco não há impossíveis. Nem enganos, nem dúvidas. E assim resolveu alegremente seguir os dois. Continuar com Passos e Portas, mas demitindo-os esperando que o suave milagre da salvação nacional aconteça. O Governo fica demitido. A remodelação fica cancelada. E o PS poria um pé dentro do barco para que um qualquer Governo empoleirado neste tripé partidário conseguisse fazer o corte de € 4,7 mil milhões exigido pela Troika.
Este plano febril tem três problemas. Primeiro: com um país exaurido e no meio de um ciclo de governação, é impossível qualquer entendimento alargado. Se PSD e CDS se dão tão mal ao ponto de se perceber agora que não há Governo há alguns meses, não se percebe como poderá haver estabilidade adicionando o PS. Segundo: Cavaco perdeu autoridade e prestígio para impor qualquer solução deste tipo. Por uma razão simples, ajudou este Governo a ser eleito. Não se percebe que agora o enjeite com desdém. Terceiro: a humilhação sem demissão de Passos e Portas, que pavonearam um novo Governo durante quase uma semana e levou Portas a vistoriar palácios, só podia ter uma resposta: ficarem exactamente onde estão, sem se demitirem.
O debate parlamentar de ontem era para ser sobre o estado da nação. Há muito para discutir. A demissão de Gaspar e esta aventura de Cavaco pelo desconhecido fazem crer que as contas públicas devem estar num estado mais que preocupante. Ou então discutir o que causou a implosão do Governo: o corte de € 4,7 mil milhões prometido à Troika e que já se percebeu que não se consegue fazer. Pelo menos, nestes prazos e nestes termos.
No entanto, o que aconteceu nem sequer debate foi. Todos concordaram com Cavaco e disseram que queriam negociar. Todos desobedeceram a Cavaco e fizeram o que bem entenderam. Passos declarou que queria cumprir a legislatura até ao fim. Portas encerrou o debate com uma citação irrevogável de Sá Carneiro a prometer que fica pela pátria. E Seguro proclamou que não abdica de eleições antecipadas. Deve ter sido por esta desobediência que Cavaco sentiu necessidade de emitir comunicado a meio do dia, ordenando que as negociações se fizessem num prazo curto. Vão-se fazer, certamente. Sem garantir um Governo estável, seguramente.
Mais cedo ou mais tarde, teremos um Governo que não esteja suspenso. Mais cedo ou mais tarde, depois desta demissão velada, este Governo cairá. Mais cedo ou mais tarde, haverá eleições. Cavaco limita-se a hesitar. Quando precisávamos de um decisor, saiu-nos um agitador. Pode ser que a Troika perceba que chegámos ao limite.

13 de julho de 2013

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