15 de maio de 2014

Para que se fez a União Europeia?

A segunda guerra mundial não chegou até nós. A nossa segunda guerra mundial foi seguida em duvidosa neutralidade enquanto o Estoril se enchia de espiões e se faziam fortunas com a exportação de volfrâmio para a Alemanha. A ocupação japonesa de Timor era demasiado remota para mudar este estado de coisas.
 Ainda hoje, temos dificuldades em perceber a dinâmica da Europa central, onde as cidades parecem todas iguais e muita gente fala melhor alemão que inglês. Temos as mesmas dificuldades para perceber bem o que foi a segunda guerra mundial: um confronto de proporções gigantescas entre a Alemanha e a União Soviética. Montgomery no deserto e o Dia D são episódios largamente romanceados e bem menores quando comparados. Daí que não admire que saibamos muito pouco sobre a devastação dos tempos a seguir à guerra. E é disso que este livro trata. Com o cuidado e o rigor que o tema merece. É que todos os povos precisam de mitos fundadores que garantam a sua inocência. Mas nunca é bem assim.   
Humilhações, vinganças, torturas e matanças. Só com culpados. Os checos vingaram-se dos alemães de forma descontrolada: morreram cerca de 40.000. Dos prisioneiros de guerra alemães guardados pelos franceses, morreram uns 24.000 por falta de condições de subsistência. Claro que este número empalidece com o milhão que morreu às mãos dos soviéticos. Calcula-se que tenham morrido também uns 50.000 alemães em campos de trabalho forçados na Polónia. Mas a morte não escolhia apenas os derrotados. À medida que a França se ia libertando, os antigos resistentes também iam executando colaboracionistas. Estima-se que uns 10.000. Aconteceu o mesmo na Bélgica, na Holanda e em Itália. Aliás, o norte de Itália, a última zona a ser libertada, entrou numa espiral de violência sem controlo: em dois meses foram assassinados 9.000 alegados fascistas.
A morte andava à solta. E a cobardia também. Em França, era habitual as mulheres acusadas de terem colaborado com alemães serem despidas em público e terem o cabelo rapado. Na Noruega, as crianças filhas da ocupação alemã, completamente saudáveis, foram tratadas como portadoras de algum tipo de deficiência mental durante toda a sua vida.
Nem o anti-semitismo abrandou. Na Holanda, os judeus regressados foram recebidos com frieza. Na Hungria, na Ucrânia e até na Polónia, onde, de facto, morreram cerca de três milhões de judeus, comunidades inteiras atacavam judeus, muitas vezes matando-os. A Ucrânia e a Polónia tiveram limpezas étnicas recíprocas em larga escala. Já para não falar da deslocação forçada de milhares de polacos da Ucrânia para a Polónia e de milhões de alemães da nova Polónia ocidental, antigo território alemão, para a Alemanha, onde viveriam sempre algo ostracizados.
A União Europeia tem origem remota em formas de cooperação desenvolvidas pela França e pela Inglaterra ainda na primeira guerra mundial. Não há dúvidas que a barbárie da segunda guerra, e a devastação que se lhe seguiu, foram o principal motivo para a sua criação. Apesar de a União Europeia hoje ser muito mais do que uma entidade que preserva a paz, talvez o seu destino seja só esse. Veremos nas próximas décadas. 

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