13 de maio de 2014

Putin joga xadrez, os outros jogam damas

Tal como podemos dizer que a segunda guerra mundial só acabou quando o Exército soviético saiu de grande parte da Europa do leste, há pouco mais de 20 anos, também podemos dizer que a desintegração da União Soviética é um processo que ainda não acabou. É isso que explica o que se passa na Ucrânia. 

Bastaram também pouco mais de 20 anos para que a Rússia resolvesse recuperar algum do território perdido. Um império é um império. E o maior país do mundo nunca deixou de se considerar um império. A glória perdida é trauma demasiado recente para não ter solução. Afinal, populações que falam russo e estão em território onde a Europa não está, estão mesmo à mão de anexar.

Já havia precedentes. A Transnístria, uma estreita faixa de terra entre a Moldávia e a Ucrânia, de onde os soldados russos nunca saíram, apesar de ser oficialmente território moldavo, é, na prática, uma província russa. Diz quem visita que é um museu soviético ao ar livre. Mas também a Abcázia e a Ossétia do Sul, territórios oficialmente georgianos, que a Rússia governa com alegre impunidade e onde observadores internacionais não podem entrar.
Putin ocupa a Crimeia. Putin fabrica um referendo na Crimeia ou, noutra versão, consente um referendo fabricado na Crimeia. Putin celebra a ocupação da Crimeia. Putin paga pensões de reforma em dobro aos habitantes da Crimeia. E assim a Rússia recupera um território simbólico, que ainda lhe permite dominar o Mar Negro sem ter que andar a discutir contratos de aluguer da sua base naval na Crimeia (que nunca foi desmantelada desde que a Ucrânia se tornou independente). 

Mas Putin não para. Putin põe tropas na fronteira com a Ucrânia. Putin diz que não estão tropas na fronteira. Mas as tropas não se mexeram. Putin diz que é melhor não haver referendos no leste da Ucrânia. Mas fazem-se referendos com vigilância armada que acabam com percentagens norte-coreanas a favor de uma autonomia independente. O facto de os líderes destes movimentos separatistas serem rufiões com ligações à Rússia e ao exército russo é certamente um acaso.

Por muito cuidado com que a Rússia reaja a estes referendos, apelando enigmaticamente a uma implementação pacífica dos seus resultados, parece claro que há uma estratégia de Putin que passa por vários caminhos. Ou criar no leste da Ucrânia um novo Estado fantoche com proteção militar russa. Ou aproveitar ao máximo um leste ucraniano autónomo que a Ucrânia não consiga dominar. Ou, simplesmente, fazer parte de qualquer solução de governação da Ucrânia que tenha que ser encontrada a seguir às eleições presidenciais ucranianas deste mês. Qualquer opção é uma vitória. E uma recessão económica vale bem um Putin na história como um moderno conquistador.

Enquanto isso, sai uma nova bateria de sanções europeias, que, com certeza, deixa Putin amedrontado. Se não nos esquecermos que a Ucrânia pediu a adesão à União Europeia em 1994 e que nunca houve grande vontade ou entusiasmo em negociar este pedido, percebemos que a Europa move peças numa só direção, à espera que algo aconteça, desde que não seja muito incómodo. Já Putin joga com várias peças em todas as direções e em movimentos variados. É fácil perceber quem vai ganhar.            

3 comentários:

  1. Importa-se de me contar exactamente o modo como o actual Governo tomou o poder na Ucrânia?
    Burrice cada um toma a que quer,mas não avalie mal todo o leitor casual...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não me importo nada de explicar. Foi um processo conturbado e muito suspeito. Só acho que isso é outro assunto. Porque o texto pretendia apenas abordar a forma como a União Europeia lida com o que se está a passar no leste da Ucrânia face a Putin. Quer se goste quer não, Putin sabe o que quer e está a ganhar.

      Eliminar
  2. O referendo na Crimeia foi fabricado? Os Russos do sul e leste da Ucrania quando confrontados com a possibilidade de genocidio devem ficar quietos e calados? Quais as convicções ideológicas de uma boa parte dos membros do governo de Kiev incluindo Andriy Parubiy Secretario da Defesa? Os paramilitares neo-nazis do Right Sector foram integrados na nova Guarda Nacional Ucraniana? Foram responsáveis pelo massacre em Odessa? Sera razoável que conscientes do perigo em que se encontram a população Russa da Ucrania olhe para a Russia como um naufrago ao avistar uma tábua de salvação? E razoável confundir isto com imperialismo/expansionismo Russo?

    ResponderEliminar