2 de maio de 2014

Dez razões para apoiar o Acordo Ortográfico

Durante o dia de hoje, os nossos deputados terão finalmente uma questão verdadeiramente importante para decidir: devem ou não as consoantes mudas sobreviver? Será que Portugal deixa de ser Portugal e que os portugueses deixam de ser portugueses se passarmos a escrever sem as consoantes mudas? Devemos condenar à morte estas periclitantes letrinhas? Andamos tão entretidos com questões menores como o desemprego elevado, a emigração galopante e os cortes definitivos nas pensões que não estamos suficientemente atentos para a maior ameaça à maneira de viver portuguesa: o Acordo Ortográfico. 
Pelo menos, é essa a ideia que fica cada vez que se lê mais um artigo contra o Acordo Ortográfico. Ainda esta semana, foram publicados vários deles no jornal Público. Clama-se contra a invasão estrangeira. Brame-se pelo português de lei. Invectivam-se os traidores da pátria portuguesa. Mas será que o Acordo Ortográfico nos vai condenar a uma nova Idade Média de trevas e ignorância? Será que podemos viver normalmente sem consoantes mudas? O que me parece é que há pelo menos dez boas razões para apoiar o Acordo Ortográfico.
1. Começando pelo princípio. Foi Portugal que, em 1911, alterou a grafia da língua portuguesa sem consultar o Brasil, o que fez com que passasse a haver duas ortografias para a mesma língua. O Acordo vem resolver este erro histórico.
2. As alterações do Acordo Orográfico facilitam a aprendizagem. Quer de crianças, quer de estrangeiros. Por uma razão simples: as palavras passam a ficar mais próximas da forma como se lêem.
3. O Acordo Ortográfico apenas afeta um número diminuto de palavras, cerca de 1,6%. O que significa que as alterações trazidas pelo Acordo são mínimas face ao português que se escreve.
4. As escolas portuguesas já ensinam conforme o Acordo Ortográfico. As leis portuguesas já são publicadas conforme o Acordo Ortográfico. O Governo já governa conforme o Acordo Ortográfico. A maioria dos jornais já publica conforme o Acordo Ortográfico. Parece impossível, mas tudo isto acontece sem revolta, dor ou trauma.
5. Entrando no Acordo, é evidente que nunca poderia haver qualquer acordo com o Brasil para unificar a ortografia que não abrangesse as consoantes mudas. É que, simplesmente, os brasileiros não as afloram nem as pronunciam.
6. E quem acha que abdicámos da nossa forma de escrita, é bom lembrar que o Brasil também cedeu e deixou, por exemplo, de usar o trema em algumas palavras, como no "u" em linguiça.
7. Há apenas oito países no mundo que têm o português como língua oficial. E só há duas ortografias, a portuguesa e a brasileira. Chegar a um consenso quanto à forma de escrever é relativamente fácil. O que é altamente vantajoso para uma língua falada em quatro continentes por mais de 250 milhões de pessoas.
8. Numa perspectiva egoísta, o Acordo Ortográfico contribui, de forma modesta, para que o português do Brasil se mantenha português do Brasil e não se torne brasileiro. Sim, interessa-nos que o português seja falado por mais de 200 milhões de pessoas na América do Sul.
9. O Brasil já aplica o Acordo Ortográfico e, ao contrário do que se diz, não o rasgou nem o rejeitou. Apenas prolongou o período de transição em que se podem utilizar as duas grafias, a antiga e a nova, que passou de 2012 para 2015. Aliás, todos os países de língua oficial portuguesa já ratificaram o Acordo Ortográfico. A única exceção é Angola que, mesmo assim, tem dado alguns sinais de querer rever a sua posição.
10. Finalmente, um dos argumentos mais repetidos é que não devemos escrever como os brasileiros porque somos portugueses. Ver telenovelas brasileiras, tudo bem. Ouvir cantores brasileiros, excelente. Ler romancistas brasileiros, nada contra. Admirar futebolistas brasileiros, sim senhor. Comer comida brasileira, é um gosto. Viajar para o Brasil, uma maravilha. Mas escrever como os brasileiros é que é mortal.  

28 de fevereiro de 2014

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