22 de dezembro de 2015

A Troika passeando pelos bancos à tarde



Depois de mais um banco a ser pago pelo contribuinte, é tempo de ir buscar o Memorando da Troika assinado a 17 de maio de 2011 e perceber o que andou aqui a Troika a fazer. Está clarinho para quem quiser ler. O segundo - segundo! - objetivo do Memorando era regular e supervisionar o setor financeiro. O primeiro objetivo era a política orçamental para 2011. O que fazia todo o sentido: era o ano em que deveria haver intervenção imediata. O terceiro objetivo era mesmo aquilo que mais se falou durante três anos: as medidas orçamentais estruturais do Estado. Havia ainda capítulos para o mercado do trabalho e educação, mercado de bens e serviços, habitação e outros assuntos esparsos. Este percurso pelos capítulos do Memorando só tem uma intenção: fazer ver que o setor financeiro era a principal prioridade do contrato assinado entre o Estado português e a Troika. 

Os objetivos do programa para o setor financeiro eram estes: "preservar a estabilidade, manter a liquidez e apoiar uma desalavancagem equilibrada e ordenada do sector bancário; reforçar a regulação e supervisão bancária". O programa da Troika durou três anos. Muito se falou quando terminou. Pouco se fala agora. Mas convinha falar mais. Sobretudo nos próximos tempos. Decompondo os objetivos: (i) com as resoluções do BES e do BANIF, não houve qualquer estabilidade financeira, os prejuízos causados pelo sistema financeiro vão continuar a crescer e a confiança no sistema rasteja pelo chão; (ii) com o que o Estado tem que suportar de custos com as resoluções do BES e do BANIF a liquidez foi mantida à força bruta do contribuinte, com custos totais ainda por apurar; (iii) lá haver uma desalavancagem do sistema bancário, houve, aliás, ainda não parou, pelo menos o Montepio e a Caixa vão dar mais trabalho, já saber se foi ordenada, é ver o que aconteceu com o BES e o que vai acontecer com o BANIF. Creio que os protestos dos lesados do BES dão a exata ideia da ordem com que todo o processo está a decorrer. Finalmente, reforçar a regulação e a supervisão bancária é algo que parece que ainda nem sequer começou, dado que o Banco de Portugal continua a ver os bancos passar. Até porque o alinhamento de Carlos Costa com o eleitoralismo evidente do Governo de Passos demonstra que a regulação que é bem feita no Banco de Portugal é a regulação dos calendários eleitorais.

A Troika passou por cá. Mas não parece. Com as suas constantes intervenções sobre o mercado de trabalho, a sua principal obsessão, não deve ter tido tempo para analisar ao detalhe o que se passava no setor bancário português. A linha de recapitalização da Troika para os bancos não conseguiu evitar o pior. A Troika passeou mesmo pelos bancos portugueses à tarde. O problema é que já estavam fechados. Tanto discurso e a Troika falhou no principal. 

30 de outubro de 2015

Governo a dias

Não é bem um Governo. Não é bem um conjunto de ministros. Não é bem para governar. É o segundo acto de uma peça em três actos.O primeiro acto foi o pedido a Passos para que formasse governo mesmo caindo logo a seguir. Era o único caminho, mas para ver teatro aí está o D. Maria II. Segue segundo acto: compor governo a dias, para escrever programa durante as tardes, das 2 às 5. E cá temos um pseudo governo com secretários de Estado promovidos e ministeriação de professores universitários, que podem regressar às universidades já amanhã. O terceiro acto é a queda no Parlamento, que se fará sem estrondo e com actores pouco convictos. Já se sabe que o poder tem os seus ritos e encenações. Neste caso, é uma encenação que serve a todos: Passos é o traído, a quem roubam a vitória, Costa, o lutador que ganha na arena parlamentar. A pergunta é só uma: porque é que em vez de uma comprida peça em três actos que dura semanas não se faz o mesmo com um espectáculo rápido sem intervalos para compromissos publicitários? Só tínhamos a ganhar. 

Diário Económico de 29 de outubro de 2015


28 de outubro de 2015

Os trabalhos de Costa

Costa parece ter o tal governo de esquerda novinho em folha. Falta só o resto. E o resto são muitos trabalhos, tantos quantos os de Hércules.

1. Formalizar o acordo de esquerda com assinaturas. 
2. Assegurar que o acordo é detalhado e não mera lista de medidas para português ver. 
3. Ter acordo duradouro. 
4. Tratar que BE e PCP aceitem o Tratado Orçamental.
5. Garantir que os deputados do PS viabilizam o acordo.
6. Assumir que a redução da dívida pública é prioritária.
7. Rejeitar o programa do provável governo de Passos Coelho propondo alternativa clara.
8. Formar governo de elevada capacidade técnica e política. 
9. Apresentar programa de governo no qual a maioria do eleitorado se reveja.
10. Ajustar o cenário macroeconómico do PS ao programa do governo. 
11. Negociar o rumo com bancadas parlamentares do BE e do PCP sem perder o rumo.
12. Governar com estabilidade para que o futuro Presidente não se oponha. 

É muita coisa e é difícil. Quase tanto como o último trabalho de Hércules: ir ao reino dos mortos e voltar.

Diário Económico de 22 de outubro de 2015

16 de outubro de 2015

O acelerador de partículas

Estava o país posto em sossego, quando Costa entendeu fazer de acelerador de partículas da política portuguesa. Estes equipamentos conseguem acelerar partículas a uma velocidade próxima da velocidade da luz e permitem conhecer as partes mais ínfimas da matéria. Costa não hesitou em propor que PCP e BE acelerassem o seu imobilismo para apurar as partes mais ínfimas das suas convicções. Assim se pode resolver um bloqueio estrutural: a impossibilidade de coligações à esquerda. Mais do que um governo, discute-se o epicentro do debate político. Daí tantas reacções destemperadas. A verdade é que no caso do tal governo de Esquerda existir, não parece que Costa vá ter oposição interna significativa ou cisões relevantes. No entanto, é conhecida a teoria dos aceleradores de partículas poderem criar pequenos buracos negros que engulam a matéria. E um governo de Esquerda que não assente num entendimento amplo e claro sobre matérias fundamentais pode muito bem ser o buraco negro que engole o PS.

Diário Económico de 14 de outubro de 2015

5 de outubro de 2015

O assombroso défice

Apenas 43% dos portugueses adultos completaram o ensino secundário. Somos o pior país da União Europeia, descontando Malta. Na UE, a média é de 76%. O fosso é tão grande que só Portugal e Malta têm um número inferior a 50%. Não espanta que o desemprego atinja sobretudo os que não têm o ensino secundário. Este atraso não é novo: chegámos aos anos 70 com 25% de analfabetismo quando a Holanda tinha essa taxa no século XVIII e a Inglaterra no século XIX. Sabendo tudo isto, quem tanto fala em consensos tinha aqui uma oportunidade. Mas nada disso sucedeu: as Novas Oportunidades, o único programa abrangente de formação de adultos alguma vez lançado, foi desmantelado pelo Governo e nunca substituído. Uma das prioridades na educação é lutar contra este assombroso défice educacional. Deve ser feita uma avaliação séria do que foram as Novas Oportunidades e melhorar o que houver para melhorar. Não podemos é desistir de milhares de pessoas. Relançar a educação de adultos é relançar o país. 

Diário Económico de 30 de setembro de 2015

Faça o favor de sair

As eleições gregas do próximo domingo serão as quintas eleições legislativas gregas nos últimos seis anos. Tantas eleições só podiam andar a par com os programas de resgate gregos: três nos últimos cinco anos. Para Portugal, não deixa de ser surpreendente que, em plena campanha eleitoral, seja um assunto a passar despercebido. A razão é simples: Portugal não é nem nunca foi a Grécia. A história, a sociedade e a cultura são outras. Além disso, há uma tradição portuguesa de cooperação com a Europa (e não de afrontamento à moda de Tsipras) que acaba por ser seguida por todos os governos. É por isso que colagens do PS ao Syriza não funcionam. Numa análise europeia, segundo as sondagens, pode não haver uma maioria estável, colocando em risco o terceiro resgate e levando a novas eleições e a novas cimeiras europeias, e assim sucessivamente. O que leva sempre à mesma questão: saber se estes resgates-Sísifo não passam de um mal disfarçado convite à saída da Grécia do euro. 

Diário Económico de 18 de setembro de 2015

Labirinto

Até agora, Passos Coelho seguiu uma estratégia cuidadosamente preparada: não propor, não convencer, não aparecer e não falar.Propostas e contas nem pensar. Balanço dos últimos quatro anos era para esquecer. Ideias para os próximos quatro melhor esconder. E entrevistas e debates estariam foram de questão. No fundo, tratava-se de despolitizar as eleições dizendo que não haveria alternativa e que qualquer alteração de rumo, mínima que fosse, seria um desastre. Mais do que cativar votos, esta estratégia pretendia levar os indecisos a não votar, fazendo-os crer que não havia nada a mudar. Só que bastou tornar a haver debate político - julgar o que se fez, ponderar o que se vai fazer - para que ficasse claro que não é possível prender o país em 2011 e mandar a chave fora. Passos Coelho está outro: já vai dar entrevistas e começou a defender o seu legado. Parece é ir muito tarde para seduzir indecisos, que dificilmente irão compreender esta súbita mudança.se nenhuma, o Estado pagava turmas a colégios privados.

Diário Económico de 15 de setembro de 2015

10 de setembro de 2015

O dérbi

Costa marcou três golos fora sem resposta nesta eliminatória com uma única mão. Jogou com pressão alta e basculou muito bem. Passos tinha uma jogada muito bem ensaiada, mas repetiu a demasiadas vezes, deixando de surpreender o adversário com a referência a jogadores já retirados. E assim Passos acabou por deixar o autocarro estacionado à frente da baliza, preocupando se somente em defender. Costa deixou a simpatia em casa, engrenou a primeira e com fio de jogo foi marcando golos com remates bem colocados. Passos procurou sobretudo falar do campeonato de 2011, omitindo a sua participação no mesmo, no que falhou redondamente. Foi particularmente bem marcado o golo de Costa a propósito da Segurança Social em que a defesa de Passos foi completamente toureada com a estonteante finta plafonada de Costa. Na parte da saúde, ficou a sensação que Passos não tinha treinado, pois não sabia o que tinham feito os seus jogadores nesse campo. Infelizmente, o jogo foi marcado por alguma falta de imaginação em perguntas, pois ficou a faltar responder a temas de Justiça, Educação, Ciência, por exemplo.

Acusação precisa-se

E agora Sócrates continua preso, mas fora da prisão, em casa. Por muito alarido e essenciais entrevistas a entregadores de pizzas, a verdade é que continua tudo na mesma. A investigação já leva anos mas ainda não há acusação. O que faz com que se possa fazer um juízo moral sobre alguns factos mas com que não se possa avaliar devidamente nem as explicações dadas por Sócrates nem o trabalho feito pela investigação. Aliás, não se compreende como é que podendo estar em causa seis anos de governação do país, ainda não se sabe em concreto do que é que Sócrates é acusado. O que é agravado por Sócrates ter passado dez meses preso e pelas notícias que vão alegremente surgindo aqui e ali sobre os crimes que podem estar em causa. Duas perspetivas mais. Politicamente, dado que o PS sempre separou o processo da política, não parece que haja grande influência na campanha eleitoral. Pessoalmente, Sócrates não pode estar inibido de se defender, e deve falar sobre o processo, se assim o entender.

Diário Económico de 8 de setembro de 2015

7 de setembro de 2015

Crónica da solidariedade moderna


Calminha aí, muita calminha. Refugiados há muitos. E primeiro temos que tratar dos nossos. Quantos pobres não há para aí, sem que ninguém lhes dê uma sopa ou uma manta? Devem achar que os nossos pobres são menos que os outros, não? Ainda no outro dia vi uns quantos ali para os lados de Santa Apolónia. Meteram-me tanta pena, coitados. Estava a passar no carro e sentia-se bem o fedor. Aliás, quando depois fui beber uns gins naquele sítio novo ainda tinha o cheiro entranhado, o que foi muito chato. Alguém devia fazer alguma coisa por esses desgraçados. Eu tenho pouco tempo, sabem como é que é, casa-trabalho-casa. Mas estou sempre pronto para aderir a todas as causas e petições no Facebook e em todo o lado. E isso é que interessa mesmo. Quando as páginas de ajuda têm muita notoriedade, isso quer dizer que estamos todos a fazer muita força para ajudar. Se todos fizermos força, as coisas acontecem. Voltando aos refugiados. Sinceramente, eu acho que isto é muito estranho. Então agora é que aparecem pessoas e crianças mortas? Porque é que nunca ninguém fez nada antes? Andam todos a morrer que nem tordos e só agora é que sabem? Aqui há coisa. E eu sei muito bem que coisa é. Isto é mas é uma maneira dos terroristas virem todos para cá. Arranjam uns quantos mortos e tal e depois vêm aos magotes e lá no meio, vai-se a ver, vêm umas quantas bombas. Não me façam falar. Mas eu acho que isto das fotos e tal é mas é um plano para abrirem as fronteiras todas a toda a gente. Deviam era lá ficar com a gente deles, nas Arábias e nos Catares, que lá é que essa malta está bem, a explodirem-se uns aos outros. E ainda dizem que aquilo é malta qualificada e doutores e engenheiros. É simples: se são assim tão qualificados tinham emprego no país deles, que aquilo está em ruínas e de certeza que é preciso gente para trabalhar. Pobres só os nossos. Que são nossos e são de estimação. E eu calhando da próxima vez que passe em Santa Apolónia até lhes ofereço um gin. Palavra.