13 de fevereiro de 2015

World Press Photo 2015

Podemos amar ou detestar animais. Na ampla paleta emocional de sentimentos há de tudo, desde o amor obsessivo até à crueldade reiterada. Tanto podemos ter um cão e vivê-lo connosco até ao fim dos seus dias e sentir a falta dele como de uma pessoa, ou mais que uma pessoa, como há quem maltrate animais com uma simplicidade tocante. Não esqueço que o passatempo de uns jovens desocupados perdidos nas serras atrás dos montes, que conheci há décadas, era tornar cães mancos com um só golpe. 

Para mim, as fotografias do World Press Photo são um acontecimento. Leitor compulsivo de histórias e reportagens, muitas destas fotografias são a expressão máxima de uma reportagem visual, em que a fotografia não só mostra, como conta, julga e reflete. Das deste ano, há uma que me impressiona mais que as outras. É a que está acima. O pobre macaco está amedrontado com um brilho reconhecidamente humano no olhar, temendo o castigo do chicote de corda entrelaçada. Caída no chão, uma pequena bicicleta de treino diz-nos que estamos no circo ou numa feira de habilidades. Tudo junto, e com a reduzida estatura do macaco, podia até ser uma criança. Ao lado, corpulento e ameaçador, um homem empunha com força a corda entrelaçada, preparando a chicotada. Toda a curvatura do homem é castigo. Depois de olhar novamente para o macaco e para a massa monstra ameaçadora, percebemos que os papéis estão trocados. O pequeno macaco é o homem e o homem é o animal feroz que nos ensinaram a temer desde sempre. É por isso que nem lhe vemos a cara. Talvez para que nos envergonhemos ainda mais da nossa espécie.

Fotografia de Yongzhi Chu, Macaco a treinar para o circo, 29 de novembro de 2014, World Press Photo 2015, 1.º Prémio, Natureza

12 de fevereiro de 2015

Febre esquetina





Schettino, o homem que deu o nome a uma superior forma de cretinice, cobardia e desvergonha, que tanto merecia que esquetinice entrasse rompante nos dicionários como sinónimo primeiro de irresponsabilidade, o homem que se bamboleava pela ponte de comando do Costa Concórdia míope e cioso da sua vaidade sem óculos que permitissem ler instrumentos náuticos, que tinha cartas náuticas com a escala errada, o comandante do navio que foi o primeiro a agasalhar-se quentinho em terra seca enquanto o mastodonte dos mares adornava, o homem que talvez seja um homem espécie esquetino, foi ontem condenado a 16 anos de prisão por esquetinice maior, e, em coerência com o seu nome adjetivo, não assistiu à leitura da sentença porque, esquetinoso, tinha febre. Schettino também não foi a bordo quando o Costa Concordia se afogava e mais de trinta pessoas morriam no barco à beira mar encalhado. Também não faria sentido que fosse a Tribunal para lhe afirmarem solenemente que esquetinou, declinando apenas o seu nome. As febres são para se curar em casa. Tal como os navios naufragados são para os comandantes abandonarem antes de todos os outros.